Oswaldo Eurico Rodrigues

Na beira do rio

 

Na beira da praia, eu faria anotações. O mar está um pouco mais distante. Hoje, escrevo do rio em fevereiro, tempo de carnaval. Estou na terra dum poeta longe da casa onde ele viveu. Escrevo em prosa com pretensão de atingir a poesia. Vou enganá-la porque sou um fingidor verdadeiro. Não vou esconder que recebi uma coroa de dores apertando minha fronte e nuca. O metal desce comprimindo meu nariz. Pareço um cruzado marchetado de dores. Sigo meu caminho, espada em punho, lutando contra gigantes invisíveis. O vento gira a roda das horas e vem chegando o fim da tarde. Minhas palavras estão começando agora.

Estou na areia sem sal debaixo dum espinheiro, meu abrigo do Sol. Nunca poderia imaginar anos atrás que estaria digitando num aparelho do tamanho da palma da minha mão. Saí da sombra do presente e voltei, por instantes, às dormideiras do caminho da escola. Eles estavam de volta quando saí das águas…

A novidade da planta fechando suas folhas ao toque ficou na minha história antiga. As plantas obedeciam ao leve tocar das pontas dos meus dedos. Até meus pés calçados eram mais suaves. Hoje minhas mãos são pesadas como o meu andar. As dormideiras permanecem acordadas. Precisam velar a vida em processo de sequidão.

Segui meu caminho depois do rio de pedras onde escrevi. Os anos não precisam trazer a minha infância. Ela os enganou e continua brincando de pique-esconde embaixo da minha calvície. Atravessei uma estrada correndo de carros com a mesma energia com que se corre de um boi.

Não paro mais debaixo das sombras das árvores tentando apanhar uma goiaba. Tenho um suco gelado da fruta mais exótica servido num balcão ou numa mesa de restaurante.

Ai que saudades do hoje da minha vida, do meu presente querido que o futuro deixa pra trás nas sombras de todas as coisas.

Casimiro de Abreu – RJ, 10 de fevereiro de 2024

 

 

Mostrar mais

Artigos relacionados

3 Comentários

  1. Excelente! Incríveis associações, viajei com muita criatividade e genialidade que a sua escrita desperta! Voltar para sensações da infância é sempre complexo. E o mais interessante, o momento que essa prosa foi produzida foi num fim de tarde, horário de uma angústia coletiva de mais um dia finalizado. Vejamos pelo lado bom, rendeu uma memória carnavalesca.

Botão Voltar ao topo