Oswaldo Eurico Rodrigues

Conversas no barbeiro

Fidelidade é algo importante e precioso. Lealdade também. É péssimo ver pessoas magoando e traindo. Não me refiro somente a relação conjugal. Entre os amigos, a traição e a deslealdade também existem. Talvez os motivos não sejam os mesmos. Ou para ser traidor e desleal é preciso motivo? Será que a nossa natureza não seria a de ter curiosidade e de querer experimentar novidades? Às vezes, perigosas; às vezes, tranquilas. Levante a mão quem é leitor de somente um escritor! Quem assiste a filmes de apenas um diretor? Há quem passe a vida inteira comendo num só restaurante? Pois é… Leitores, cinéfilos, comensais e demais clientes são, em quase totalidade, traidores. Mesmo quando têm cartão de fidelidade. Vou aproveitar os pontos acumulados e compartilhar os prêmios com vocês.

Minha família não sabe de nada. Estou dando uma fugida para conversar com vocês! Espero que não contem nada para ela. Não direi nada a ninguém sobre vocês! Preciso diversificar, sair da mesmice. Alguma aventura extra faz bem (nem que seja na tela do computador). E vamos para a casa da luz vermelha, azul, amarela… A casa da Mãe Literatura, lugar de tolerância, aceita muita gente: rejeitados, anormais, revolucionários, melancólicos e coléricos, sanguíneos e fleumáticos. Homens e mulheres de todas as idades se relacionam entre páginas e telas. Acontece cada coisa que nem tenho coragem de contar! Só mesmo entrando nesses lugares de liberdades incríveis para ver e acreditar ou não. São sensações incríveis de prazer!

Fecham-se as páginas, desligam-se as telas. Voltamos limpos e arrumados para casa como se nada houvesse acontecido. Deixamos tudo lá com os personagens nos lugares possíveis e impossíveis de todas as épocas (inclusive a nossa). E a vida segue tranquila, trivial. Vamos para o trabalho, voltamos para casa e encontramos nossas Helenas, Penélopes, Amélias, Capitus, Jesabeis. Mulheres lindas, engenhosas, submissas, enigmáticas, poderosas. Mulheres de sedutores, de seduzidos, de autoritários, de inseguros, de fracos. Os relacionamentos continuam. Contas a pagar, visitas a fazer, igrejas a frequentar, filhos a criar. Tudo na mais perfeita harmonia.

Precisamos abastecer a casa. E saímos às compras! Qual o supermercado? O melhor da cidade! Produtos de boa qualidade, bom atendimento e bom preço. É nosso porto seguro onde buscamos abastecer nossa casa. Não nos mantemos fiéis! De vez em quando, compramos noutros mercados por praticidade ou atraídos por alguma promoção. Comemos sempre num restaurante maravilhoso com pratos saudáveis. Também experimentamos outras mesas nem sempre tão saudáveis. E a lista de infidelidades segue enorme.  E não é de hoje!

Enquanto era um menino, atravessava a rua e comprava o melhor picolé de coco do mundo: o picolé da Dona Zeir. Levei anos saboreando essa delícia com pedaços frescos da fruta. Nunca mais experimentei nada igual. No caminho para casa, comprávamos doces na barraca da Dona Arlete, ao pé da ladeira da Rua Capitão Crisanto Bastos. Era a época das certezas. Por esse tempo, já havia aprendido a frequentar sozinho a barbearia. Cortava o cabelo sempre na barbearia do Sr. Josias. Ele mudou de lugar. Passei a frequentar o salão do Gérson. Veio o emprego e novos salões (masculinos ou unissex). Em pouco tempo, mais de cem barbeiros já haviam cortado meu cabelo e feito minha barba. Mais tarde, as barbearias passaram a ser chamadas de “barber shop”. São pontos de encontro. Enquanto aguardamos o atendimento, podemos beber algo. Há quem jogue sinuca. Sou do grupo da conversa e de quem bebe água. Os assuntos são variados. Desde futebol (não entendo nada, mas sou flamenguista desde sempre) até filosofia e religião. De vez em quando, alguém resolve reclamar do chefe ou da esposa. Os demais ouvintes são solidários.

Os ânimos se exaltam e falamos alto mesmo sem brigarmos. É uma discussão saudável. Os argumentos se emaranham a ponto de criarem nós. Com paciência, a conversa é desatada. Amizades instantâneas de trinta anos duram a eternidade do tempo da espera. Nunca presenciei brigas. Brincadeiras quando alguém comete algum deslize… E tudo termina bem. Na sexta-feira, por exemplo, algo inusitado aconteceu.

Perguntei antes de entrar se seria possível rasparem minha barba. Era um local pequeno com somente uma cadeira para o atendimento. O barbeiro fazia o pé do cabelo. Outro aguardava no sofá. Antes da minha chegada, já estavam discutindo sobre a influência de uma pessoa pública na decisão dos demais indivíduos. Fiquei quieto enquanto pude. Em instantes, estava eu também na conversa. Divergíamos em vários aspectos. Porém, como o assunto era sobre a fé e a liderança nas igrejas, acabei não resistindo e passei a opinar também. Versículos bíblicos eram lidos. As respostas vinham em forma de leituras do Texto Sagrado. Parecíamos estar num seminário. Quatro teólogos perdendo sua força ao terem seus cabelos cortados ou suas barbas raspadas. As portas foram cerradas, pois éramos os últimos clientes. Voltamos para casa prometendo um novo encontro. Até lá, nossos cabelos já estarão crescidos novamente e mais fortes sem precisarmos derrubar colunas de nenhum lugar. Permaneceremos vivos, pois a Palavra nos mantém.

 

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Um Comentário

  1. Que prazeroso poder voltar ao passado e lembrar desse delicioso picolé de coco da dona Zeir. Parabéns Oswaldo por esse texto incrível

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