Oswaldo Eurico Rodrigues

Afeto na biblioteca

 

 

Não é novidade para ninguém que gosto imenso de museus, galerias de arte, centros culturais e (claro) bibliotecas! Quem é meu leitor sabe também do meu apreço por plantas e animais. Para esses últimos, não sou tão democrático e imparcial. Tenho preocupações com a preservação de todas as formas de vida, mas não tenho a mesma afeição por todas as espécies. Dentre os domésticos, gosto muito de gato, animal elegante e que perambula entre livros. Próximo à Praça Tiradentes, Centro do Rio de Janeiro, há vários sebos interessantíssimos onde já garimpei bastante para formar minha extinta biblioteca. Nesses lugares mágicos, havia sempre muitos gatos. Eram criaturas que se moviam com desenvoltura entre os volumes, sem amassar ou rasgar nenhum deles. Quando um cliente se aproximava, os bichanos saiam sem dar muita ideia para os humanos. Nos deixavam passear entre os corredores e dormiam debaixo das bancas.

Qual o enigma a ser resolvido? Um gato em cada canto, cada um olhando para os demais. Quantos gatos há na sala? Voltava-me para as séries iniciais do Ensino Fundamental onde conheci Malba Tahan. Incrível: antes de Lewis Carroll! O gato careteiro apareceria mais tarde. E os gatos continuavam com ou sem botas. Vindos de Bremen integrando uma trupe de Saltimbancos no Brasil. Havia Gata em teto de zinco quente! Sete gatinhos? Setenta gatos? Não sei! Félix em Tom de zombaria era o Manda-Chuva do pedaço! Lá Frajola não era feito de bobo pelo Piu-Piu! Todos os felinos reinavam entre as estantes. Não havia rato louco o suficiente para enfrentar um exército de miaus.

E minha biblioteca crescia… O meu amor por gatos também. Existe um problema. Tenho enorme simpatia por um dos pratos prediletos dos felinos: rato! Claro que não como ratos!  Gosto de vê-los roendo algum alimento ou correndo. Parecem uma minúscula montanha em movimento! Nunca poderei realizar o duplo prazer de criar gatos e ratos juntos. Sei disso desde sempre. A Biologia é soberana, mas a Literatura sabe burlar honestamente as leis e unir as duas criaturas ora amigas, ora inimigas. Santa Literatura! Santo Cartum! Pelo menos nas histórias posso conviver sem problemas com meus queridos mamíferos. O sofrimento poderia parar por aqui, não é? Ele continua.

Dum tempo para cá, passei a me simpatizar também por outro possível inimigo dos gatos: o cachorro! Verdade! Para quem me conhece pessoalmente, sabe do quanto sempre tive dificuldades para lidar com os cães. Eles são muito intensos. A maioria bastante barulhenta. Penso que a recíproca é verdadeira. Eles rosnam para mim. Muitas vezes investem contra a minha pessoa prontos para me morder. Noutro dia, escrevi sobre eles e outros pavores meus. Para ser mais preciso, no domingo passado. Até lobisomem apareceu no texto. Acho que fui injusto. Descobri que existem cachorros agradáveis e discretos. Na realidade, sempre estiveram por perto. Alguns alegres e mansos, outros medrosos e ressabiados. Sim! Nem todos me atacavam. Alguns morreram sem nunca haver mordido alguém. Um deles foi o Paxá, um pastor alemão belíssimo da Dona Sônia, minha vizinha no Porto do Rosa.

Paxá não foi o único da espécie canis familiaris a conquistar a minha simpatia. Havia o Fog, um poodle da tia Leci. Sempre levava seus brinquedos para interagir comigo. Já passeei com ele no Parque Guinle. Parecia um gigante de 1Kg. Esses dois não eram únicos. Quando ia a casa da Dona Ceila e do Sr. Aluízio, os pais da Heloisa e da Elisa, o Rei marcava território no sofá e participava da conversa. Muitos outros povoam a minha memória: Cholito, o vira-latas do Márcio Vidal quando eu era criança em São Gonçalo; a doce Belinha dos meus sobrinhos, uma mestiça de cocker spaniel com Rotweiller; Rabito, Zico e Negão, cães simpáticos do Absalão e dos seus pais, Cristina e Marinésio. Esses três últimos estão bem vivos em Itaboraí!

Dentre todos os bichos queridos, duas fêmeas muito dóceis. A Uli, pastora alemão já idosa do Paulinho e da Patrícia, de Saquarema. Única cadela que nunca ouvi latir e nem a atacar ninguém. Quando chegamos à sua casa, ela se aproxima discretíssima e sente o nosso cheiro. Fica um tempo por perto e volta elegantemente para o seu canto. A última de quem vou falar agora e que me motivou a escrever é a Mel, yorkshire companheira da Sônia. Vamos então conhecê-la melhor.

Estava procurando livros sobre esportes, quando encontrei a Sônia, uma pessoa muito educada e de conversa agradabilíssima. Junto dela estava a Mel. Trata-se de uma criaturinha pouco maior do que o meu pé, cuja alegria ao me ver foi contagiante. Deitou-se no chão de barriga para cima a fim de receber o meu afago. Eu a afaguei e ela lambeu minha mão. Parecia ter consciência do quanto é amada. Circulava entre as estantes sem fazer nenhum barulho. Não derrubava nada! Experimentei rever meus conceitos (ou seriam preconceitos?). Cães podem ser suaves e discretos. São criaturas únicas como únicas são todas as criaturas. Você pode não acreditar: sinto saudades da Mel. Ela me levou de volta às leituras da infância. Maria José Dupré nos presenteava com O cachorrinho Samba. Era um livro bem interessante mesmo para o adulto de hoje. O título era singelo. O conteúdo, porém, era incrível! Para terminar, deixo uma frase retirada do final do livro: “Se entre os amigos encontrei cachorro, entre os cachorros, encontrei-te, amigo”.

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2 Comentários

  1. Oswaldo, mais uma vez me surpreendeu. Lembro com nitidez que os cães não eram os fofinhos do tio para vc. Parece que estou ouvindo diz: – Eles são muito barulhentos e querem atenção toda hora! Ficam mendigando afago. Diferente dos gatos que são nobres e elegantes.
    Alguns dos cães que fala, me foram marcantes tb. Paxá e Fog.
    Ao ler seus textos, fica claro que vc gosta de escrever. Há regozijo nas entrelinhas e curiosidade para saber qual será o desfecho.
    Continue escrevendo… Vc é uma inspiração. Hoje senti até vontade de voltar a escrever.
    Que Deus abençoe essa arte que domina. Bj!

  2. Ler vc é aprender. A capacidade de inventar é um dom. Vc abordou a Biologia e suas regências e fugiu pela tangente citando o burlar utilizando a Literatura. Nesse campo o subjetivo, o surrealismo, e outros da família, ficam confortáveis. Oswaldo o texto é precioso. Falar sobre livros, biblioteca, o comportamento silencioso dos gatos… que, a descrição nos leva a vê-los ronronando entre os livros, além de enumerar os diversos miaus famosos. E aí…. pincela, retira o cachorro ( uma amostra ) da guia de alguém que está por aí distraida com seu peludinho passeando, e nem nota, que um poeta e pegou emprestado para uma análise… depois devolveu. Aí??? O perfil delicado, romântico, carinhoso com cada tipo de cão . … legal. Mas a cereja do bolo foi a sua lembrança com os cachorrinhos que passaram pela sua vida e nome dos donos: Dona fulana, ciclana, dedlana!!! OsWaldo!!! Especial
    Grande abraço

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