Ze Arnaldo

Melhores amigos

A amizade já foi cantada em prosa em versos mil vezes e merece todas as homenagens, músicas, livros, filmes e poesias feitas em seu santo nome. Eu mesmo já fiz uma canção, cuja melodia esqueci, chamada Pedra preciosa, que fala dos muitos melhores amigos que eu tenho. Quem tem pelo menos uma pessoa na vida à qual se possa chamar de amigo sabe do que eu tô falando e reconhece a importância de se ter alguém assim pela vida toda.

Eu disse ali em cima “de se ter alguém assim pela vida toda” e não é exagero! Há amizades que duram mais do que casamentos. Dizem que o homem – ser humano classificado biologicamente como pertencente ao sexo masculino – troca até de mulher, mas não troca de time. Eu colocaria na lista das fidelidades masculinas – poucas! – a dedicada com devoção a um amigo do peito.

Não vou aqui partir para definições baratas desse substantivo – amigo -, às vezes utilizado equivocadamente no lugar de colega (de escola, de faculdade, de trabalho), de companheiro (de luta, de viagem, de jornada, de copo, de balada, de arquibancada), de camarada (de ideias, de batalhão, de fileiras), de parceiro (de sueca, de roubadas, de estripulias, de treino, de negócios). Amigo poder ser tudo isso aí junto e misturado ou não ser nada disso e, ainda assim, ser fundamental para nós, em muitos momentos da nossa trajetória neste mundo de meu Deus.

Há amigos que são fundamentais numa mesa de bar, numa festa, numa viagem, porque são pra cima, animados, fanfarrões, engraçados, exagerados, malucos ou descolados. Outros são essenciais naqueles momentos de dor, em que ficam ao nosso lado, a emprestar o ombro e o ouvido para nossas lamentações. Há aquele para quem a gente sabe que pode ligar às três da manhã pra vir buscar seu carro, caso você tenha sido parado na Lei Seca, e aquele que larga tudo o que estiver fazendo – mesmo que seja a conclusão da tese de doutorado -, se você o chamar pra ver o jogo no Bar do Bil, tomando umas geladas.

No rol das nossas amizades, todo o mundo tem um que é o chato e que mesmo assim, ou por isso mesmo, é amigo. É ele quem coloca a razão na frente da emoção e diz aquilo que você não quer ouvir naquele momento, segundos antes da tragédia acontecer, mas a quem a gente agradece, no dia seguinte, por ele ter te feito voltar pra casa, mesmo que você insistisse em beber a penúltima lá naquele bar mal frequentado que era o único aberto na região, ou que te segurou pra você não mergulhar da falésia de 15 metros de altura no mar revolto lá embaixo, só pra se mostrar pro brotinho em quem você tava dando em cima.

Interessantes, também, são as expressões que muitas vezes são utilizadas junto com a palavra amigo. Fiel, leal, verdadeiro, de todas as horas, de fato, pau-pra-toda-obra, de quatro costados, que são, todas, pleonásticas. Se um amigo não é leal, fiel, verdadeiro não é amigo, pô! Também não é amigo aquele que vive implorando nossa presença, de corpo presente, em festas infantis, batizados, aniversário da sogra, missa de sétimo dia da bisavó. Tudo tem limite, e um verdadeiro amigo (olha o pleonasmo aí!) nunca cobraria isso do seu irmão de vida.

Amigos não precisam se ver diariamente para serem amigos. Podem ficar anos sem trocar palavra, sem olharem a cara um do outro, que a amizade que os une se mantém, como aquela última brasinha que insiste em ficar acesa, perdida na churrasqueira, no meio daquela fuligem toda, e à qual, no dia seguinte, basta um soprinho para reavivar o fogaréu. O sopro pode ser um encontro fortuito, no metrô, num congresso, na saída do estádio, no ensaio de rua da Vila Isabel, e pronto: ela reacende, forte e vigorosa como sempre. E, logo depois da troca peculiar de disfemismos cabeludíssimos (“E aí, seu corno, como está a piranha da tua mulher?” “Tá na zona, com a vaca da tua mãe!”; “Seu veado!”, ”Filho de uma puta!”) e de abraços, beijos estalados na bochecha e tapas nas costas violentíssimos, os amigos reconectam-se em segundos, e o papo flui como se a conversa não tivesse sido interrompida por meses, anos, décadas. Como se tivessem se encontrado pela última vez poucas horas antes, na noite anterior.

Tenho algumas pessoas assim na vida e agradeço todos os dias ao universo por ter colocado essa gente no meu caminho. Escrevo esta crônica para deixar escrito o que não tive coragem, oportunidade ou tempo de dizer para eles, inclusive àqueles que me fizeram a desfeita de sair de cena antes de mim. A canção? Terminava assim, ó: “Eu tenho muitos melhores amigos, eles pra mim não têm preço, todos no fim são abrigos, que guardam o que eu esqueço.”

 

Link da foto em destaque: https://www.pexels.com/pt-br/foto/menino-andando-de-bicicleta-2307562/

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