Ze Arnaldo

Manias – quem não as tem?

MANIAS, QUEM NÃO TEM?

Eu tenho cá algumas esquisitices, quem não as tem? Não subo ou desço escadas sem contar os degraus, e só começo a subida ou a descida com o pé direito. Se passo diante de uma igreja, me benzo automaticamente, apesar de não ser religioso. No bar, com os companheiros de birita, brindo a cada nova garrafa que chega, e bebo ao menos um gole, antes de pousar o copo novamente na mesa, depois do brinde. 

No meu prato, o feijão fica embaixo, o arroz por cima e os complementos – carnes, salada e tal – fazem a moldura, em volta da gororoba. E não gosto de cerveja com comida. Pra acompanhar a refeição, só água ou refresco.

Antes de deitar, preciso olhar pela janela, uma última vez, o céu. E deito sempre do lado direito da cama, virado para o lado, com, pelo menos, dois travesseiros embaixo da cabeça. Durmo mal de barriga pra cima ou em decúbito ventral. 

Sempre tenho, ao sair de casa, a sensação de que estou esquecendo alguma coisa. E, o pior, é que, em geral, estou mesmo. Por isso, não raro, volto pra buscar o celular, a carteira, o crachá, o remédio, um guarda-chuva, ou coisa pior. Já esqueci, por exemplo, de calçar os sapatos. Por sorte, me dei conta, a tempo, de que estava indo trabalhar de chinelos.

O molho de chaves prendo na parte de trás da calça, do lado direito. Já a carteira levo no bolso traseiro esquerdo. Moedas ponho no bolso dianteiro direito, e as notas de real amasso no esquerdo. Gosto de camisa social com bolso, que tem de ser costurado em cima do coração, grande o suficiente pra alocar o smartphone e, às vezes, um documento de identificação.

Uso relógio de pulso, e não saio de casa sem ele, mesmo que seja pra ir até a esquina, ou pra jogar o lixo fora, mas o tiro assim que entro em casa, mesmo que entre só por uns minutinhos. É a coisa que eu nunca esqueço.

Quando faço compras, começo pelo setor de grãos e pego, por último, as frutas, os legumes e as carnes. Nem passo pela seção de refrigerantes, mas demoro horas na de chocolates, apesar de nunca comprar nada dali. Não raro, acabo levando coisas absolutamente desnecessárias ou que já tinha em casa, como por exemplo farinha de mandioca, sabonete e fubá de milho. Acho que tenho um estoque pra duas encarnações desses produtos.

No carro, aciono a seta, ao volante, até para entrar na minha rua, que é uma travessinha perdida entre duas ruas enormes e importantes, mesmo quando não há carros atrás de mim nem pedestres à frente. E coloco o cinto mesmo que entre no veículo só para manobrá-lo.

Quando vou ler, faço assim: ajeito-me confortavelmente na cama, cruzo o pé direito sobre o esquerdo, finco os cotovelos sobre a barriga, de modo a segurar firme o livro, e vou direto à primeira página, pra ver até onde a leitura me leva. Já houve casos em que não consegui parar e li o livro todo, de cabo a rabo, da página um à última, de um só fôlego. Só depois, vou ver a capa, a contracapa, o prefácio, as orelhas. Não é o mais recomendado, eu sei. Equivale a consumir um produto sem ler o rótulo, os ingredientes, o mal que faz etc. Mas é assim que tenho feito a vida toda. 

Se pego ônibus, procuro um lugar vazio para ler em paz os livros, indefectíveis, que carrego na mochila. Dois: um pra aprender, outro pra distrair. Um científico e um romance, ou uma biografia e um de contos, uma coletânea de artigos e uma novela. Descanso de uma leitura com outra. Ou leio o primeiro na ida e o segundo, na volta. No metrô, calculo o tempo entre as estações e confiro no relógio se minha previsão se confirmou.

Das mais esquisitas manias que cultivo é a de calcular de cabeça, contando as semanas, uma data bem adiante. Em fevereiro, calculo o dia da semana em que cairá meu aniversário, em abril. Faço isso com o Natal, com o São João, com os aniversários dos filhos, meses antes. Demoro, mas não erro uma, e ainda me distraio, mesmo sabendo que essa informação está na palma da mão, no celular.

Sempre que pego o violão, faço antes de tudo, a mesma frase melódica, que sei de cor há anos. Quando lia jornais impressos, ia direto pra última página, a de esportes. Depois vinha na contramão, lendo o jornal de trás pra frente. 

Pra dormir, em vez de contar carneirinhos, escalo times do Botafogo e da seleção brasileira. Copa de 70: Felix, Carlos Alberto, Brito… Ou revejo na cinemateca da memória cenas de filmes inesquecíveis que guardei. Costumo, também, repassar o dia que tive, o que fiz, o que disse, o que eu vi ou ouvi, catalogando as vitórias e derrotas da jornada que se encerra. 

Como disse lá em cima, tenho várias esquisitices, o que não disse é que elas têm piorado. Dei para esquecer com mais constância as coisas em casa e, pior, tenho que voltar várias vezes, porque esqueço, e lembro, uma coisa de cada vez. De uns tempos pra cá, acostumei-me a andar na rua saltando as tampas de gás, de luz, de internet, quando elas aparecem diante de mim, nas calçadas. Esse procedimento às vezes assusta as pessoas em volta, que se surpreendem com o homem doido que, de repente, dá um pulo diante delas para, em seguida, voltar a caminhar normalmente, como se nada demais tivesse acontecido.

Tenho muitas manias, vivo com elas há muito tempo, e já não me envergonho delas, como no passado, em que, esperava me certificar de que ninguém estivesse olhando, para, por exemplo, contar rápido e disfarçadamente o número de janelas de um prédio à minha frente. Vou convivendo com elas, burilando-as, aperfeiçoando-as como diz o João Antônio, uma das minhas manias, no seu fantástico conto “Afinação da arte de chutar tampinhas”. Portanto, se me vir na rua, batendo com as mãos nos bolsos da calça e da camisa, não estranhe nem me interrompa: estou só fazendo a vistoria, para ver o que foi que eu esqueci dessa vez.

Link da foto: https://pixabay.com/pt/photos/fazer-compras-shopping-botic%C3%A1rio-7365669/

Mostrar mais

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo