Ze Arnaldo

Como um romance

Vou confessar uma coisa: eu tenho um romance escondido. Não, calma, não é traição, um caso secreto, não é esse o caso, agora. O romance a que me refiro é o gênero literário, como Crime e castigo, Dom Casmurro, São Bernardo, sabe? Não estou, com esses exemplos, querendo me comparar aos autores das obras citadas, de modo algum. Foram os que me vieram à mente para dar de exemplo a você, com quem converso, e não deixar dúvidas sobre o que falo aqui.

O romance escondido está num HD externo (talvez eu precise explicar isso para os muito jovens e para os muito velhos). De vez em quando eu o retomo. Nas vezes em que o reli, tive impressões bem diversas. Já achei, ao fim de uma leitura, que tinha parido uma obra-prima, equiparada às que citei ali em cima. Em outras ocasiões, achei o que escrevi o pior livro da literatura mundial em todos os tempos. Por isso, já quis jogar fora o romance muitas vezes, assim como já quase o publiquei, por conta própria, outras tantas.

Reler um romance, mesmo esse, escrito por mim, é sempre uma novidade. Divirto-me com personagens aos quais não dera tanta atenção no primeiro encontro, e com as cenas vividas por eles, como se fossem novas para mim.  É como reencontrar um velho amigo ou um amor antigo: a gente acha que já sabe o que vai ver, mas se espanta com as surpresas, porque ninguém permanece o mesmo para sempre. Mudamos por dentro e por fora, e só quem nos conhece bem percebe no dia a dia as alterações.

Numa das leituras, achei que estava faltando uma parte, e inseri um capítulo inteiro, só para explicar o comportamento de uma personagem, que no fim, inesperadamente, comete um desatino. Meses depois, em nova releitura, deletei o apêndice, por achá-lo óbvio e desnecessário.

Já mudei o final três vezes. Numa delas, para que o livro terminasse como eu queria que fosse, de um jeito menos soturno, tive de mexer na trama toda, desde o início, ou ficaria inverossímil. Em outra, criei um final enigmático. Quando reli os originais, tempos depois, nem eu entendi o desfecho. Voltei ao formato anterior.

Esse romance que tenho escrito por anos de alguma forma me ensina sobre a vida. Às vezes, dá uma vontade danada de voltar no tempo e refazer tudo, para evitar o final triste que o roteirista me reservou. Se a existência fosse como um romance, alguns personagens eu eliminaria do meu enredo sem dó, logo de cara, e daria a vez na história a outros, que desprezei. No mínimo, se tivesse chance, poria em destaque a uns, que ficaram secundários na minha trama cotidiana, e relegaria ao papel de mero coadjuvante a quem o destino fez protagonista.

A vida não é como o romance que escrevo há anos, e que mudo sempre que releio, alterando personagens, falas, caminhos, cenários e finais. O autor desse script é muito mais criativo do que eu, e me surpreende sempre.

Minha vida daria um romance? Acho que não. Talvez só um filme chato, desses que a gente intui o final logo na primeira cena, mas insiste em vê-lo todo por duas longas horas, só para provar que estava certo desde o início.

Acho que vou jogar fora aquela velha história.

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