Erick BernardesHISTÓRIAS DE ARARIBOIANotícias

Uma palinha sobre Sapê

Série: Histórias de Arariboia (Texto XIV)

Seria mesmo improvável que a palha proveniente do mato selvagem tivesse tanta importância nesse lugar. Fosse cobertura de telhado para tabas e cabanas, fosse material para confecção de tochas rústicas, ou até enchimentos para colchões e travesseiros antigos, enfim, havia uma diversidade de usos para esse tipo de capim anão. Por isso, convido você a conhecer a história do Sapê, bairro situado no município de Niterói e caracterizado pelo registro territorial de nome indígena – e vamos ao assunto.

Dia desses, ao visitar um amigo no bairro chamado Sapê, rapidinho a memória fez questão de me tomar as rédeas da situação e conduzir esse cavalo bravo chamado pensamento. Verdade, nunca consegui controlar as lembranças de infância. Quando a memória decide se apossar do raciocínio lógico, Deus do céu, é mesmo impossível conseguir controlar – e isso realmente aconteceu. A visita na casa do meu referido amigo impulsionou imaginação para longe. Sim, juro a você, em vez de falarmos do assunto combinado, foi mesmo a recordação do relato vindo do meu velho tio brincalhão o que preencheu a conversa. Isso mesmo, instantaneamente, reminiscências aos montes invadiram meu pensamento, e indaguei:

— Dedeco, você tem consciência que aqui já teve muito índio e resistência nativa? O meu tio Jacy contava que chegara menino no Sapê, quando migrou com a família da região de Miracema, interior do Rio de Janeiro. Dizia que ao fixar raízes em Niterói, não poucas vezes ouviu dos outros histórias sobre nativos fluminenses de séculos passados, e estes protagonizaram cenas de batalhas e resistências contra colonizadores cruéis.

Bem, melhor é reconhecer que o meu amigo Dedeco escutava com gosto o que aprendi com meu tio. Decerto narrei com prazer, é sempre bom transmitir conhecimentos. Ao me encher de perguntas, e também por causa da ausência dos dentes de cima, Dedeco lançava involuntariamente gotículas de saliva contra mim. E eu desviava com a agilidade de personagem Matrix; sem deixar obviamente de oferecer atenção. Lembrei do tio Jacy dizendo que durante a madrugada dos tempos de colônia, homens de torsos nus e peles morenas utilizavam tochas de sapê incandescentes necessárias às investidas de guerra. Não sei, confesso. Nesses assuntos coloniais costumo até me impressionar, tenho receio – e de fato existe por aí história similar a me confundir o espírito. Contudo, depois de terminada a visita com Dedeco, não abri mão de oferecer alguma definição oficial sobre o termo Sapê. Eis o significado transmitido a ele pelo meu celular (depois da visita) e já no conforto da minha casa, obviamente:

— Meu amigo, o nome do seu atual bairro quer dizer: eça (olho) apé (alumiador, aquecedor). Sapê significa o “alumiador”, facho de luz. Uma espécie de gramínea com que fazem os tetos das palhoças e os fachos para iluminar caminhos. Quanto sentido no registro territorial, não é?

Veja aí, caro leitor! Está de bom tamanho a explicação do tio Jacy e também a definição oficial que transmiti ao curioso Dedeco. Gosto desses acasos de linguagem histórica, é quando a oralidade resvala na historiografia e faz a fronteita entre conhecimento e imaginação pulverizar preconceitos.

Pois bem, e foi assim que esse “causo” terminou, sem trocadilhos, tampouco invenções. Uma palinha da cidade de Niterói: o nome da palha de Sapê tem aí o seu lugar, dito e feito.

Referência: PIMENTEL, Luís Antônio. Topônimos Tupis de Niterói. 2.ed. – Niterói: RJ, Editora Icaraí, 1988.

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Erick Bernardes

A mesmice e a previsibilidade cotidiana estão na contramão do prazer de viver. Acredito que a rotina do homem moderno é a causadora do tédio. Por isso, sugiro que façamos algo novo sempre que pudermos: é bom surpreendermos alguém ou até presentearmos a nós mesmos com a atitude inesperada da leitura descompromissada. Importa (ao meu ver) sentirmos o gosto de “ser”; pormos uma pitadinha de sabor literário no tempero da nossa existência. Que tal uma poesia, um conto ou um romance? É esse o meu propósito, o saber por meio do sabor de que a literatura é capaz proporcionar. Como professor, escritor e palestrante tenho me dedicado a divulgar a cultura e a arte. Sou Mestre em Letras pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ e componho para a Revista Entre Poetas e Poesias — e cujo objetivo é disseminar a arte pelo Brasil. Escrevo para o Jornal Daki: a notícia que interessa, sob a proposta de resgatar a memória da cidade sob a forma de crônicas literárias recheadas de aspectos poéticos. Além disso, tenho me dedicado com afinco a palestrar nas escolas e eventos culturais sobre o meu livro Panapaná: contos sombrios e o livro Cambada: crônicas de papa-goiabas, cujos textos buscam recontar o passado recente de forma quase fabular, valendo-me da ótica do entretenimento ficcional. Mergulhe no universo da leitura, leia as muitas histórias curiosas e divertidas escritas especialmente para você. Para quem queira entrar em contato comigo: ergalharti@hotmail.com e site: https://escritorerick.weebly.com/ ou meu celular\whatsapp: 98571-9114.

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