Erick BernardesNotícias

O Grajaú dos nossos avós

A história de hoje começou no momento em que me peguei ajudando um simpático idoso a descer do ônibus e a entrar na agência do INSS no bairro do Maracanã. Tão logo me segredou ter nascido noutro lugar, sentei e emprestei os ouvidos. Está aí, portanto, o subproduto da audiência oportunista deste apaixonado por histórias de vida. E vamos ao caso, “dou-lhe a voz, senhor Alfredo, conte pra gente!”

Meu caro rapaz, posso confidenciar que discordo do desinibido narrador de Nelson Rodrigues quando fala do Grajaú como lugar outrora bucólico, bairro que ainda reserva um “tantinho” de tranquilidade. Se é assim ficou na memória dos antigos moradores da região, azar, porque pra mim o lugar foi um misto de confusão e prazer ao longo da minha existência.

Lembro das quatro ruas por onde eu precisava caminhar pra chegar à minha casa. Ao passar em frente à oficina de motos do Nenê, parava pra saber qual era a boa da noite. Bem, já aí se prenunciavam as maluquices da madrugada, quando a turma inteira enchia a cara com Vodka falsificada e armava as maiores confusões. Tacávamos pedras nos telhados alheios. Para quê? Não sei, nunca soubemos motivo. Vontade de perturbar a paz dos outros.

Numa dessas investidas juvenis e insanas, Marquinhos teve a infeliz ideia de pichar de vermelho a porta nova do velho Brizola. Seria mais uma das nossas traquinagens se não caíssemos nas garras da falta de sorte. Pois é, “deu ruim”, como se diz hoje em dia. O filho do velho Brizola chegou na hora e deu voz de prisão com a arma em punho. Exato, o leitor já subentendeu que o Zarko (filho do dono da casa pichada) exercia a função de delegado lá em Vila Isabel. Resultado: todos pra delegacia. Era de se esperar.

Imagem Pixabay

Papai descendia de importante família no Grajaú. Seu bisavô se chamava Antônio Eugênio Richard, o famoso engenho que projetou e deu aos quarteirões a bela urbanidade de que tanto se vangloria a associação de moradores. Papai jurava que o nome Grajaú fora o próprio avô dele, o engenheiro Richard, quem deu ao lugar. Isso mesmo, a maneira mais interessante de homenagear sua terra natal: o Maranhão. Dizem vir da língua tupi o termo Grajaú (ou K’araiaú), e significaria rio de Carajás. Confesso entender aí certo palavrão. Mas, para os entendidos, aquilo foi outrora um tipo de córrego de índios maranhenses cuja importância deu nome à cidade de nascimento do industrial e engenheiro Antônio Eugênio Richard. Ele projetou bem bonito o bairro onde nasci e legou facilidades financeiras aos seus descendentes. Minha família teve vida boa. Confesso, vivi bem também. De certa maneira, posso afirmar que gozei de um status hereditário. Papai fora sempre respeitado por sua formação jurídica. Bom, pra encurtar a narrativa e deixar o leitor dar vazão aos afazeres cotidianos, concluo sobre essa história de traquinagem, pois nós 3 do grupo fomos soltos sem sermos fichados. Óbvio, escrivão algum iria se empenhar no cadastro prisional de uma turminha de riquinhos como éramos. O Grajaú foi assim, uma prévia da situação de benesses e privilégios dos playboys da Zona Sul. Duvida que ainda exista isso? Ligue a tevê, bares repletos de lutadores de artes marciais, de onde saem os novos peraltas mais perigosos e vivem por aí aprontando das suas. Não tenho mais as costas quentes do meu pai-herói. Nem o viço de outrora injetando adrenalina boa e comum aos adolescentes.

Sou um velho, aposentado e caquético, estou o dia todo plantado nessa cadeira de plástico horrorosa só pra conseguir revisão da minha aposentadoria. INSS lotado. Disseram que agendando seria rápido. Mentira! Ah, se papai fosse vivo! Decerto meu protetor daria um jeito nisso. Vim morar no Maracanã a convite da minha filha. O raio do reumatismo me rói os ossos, e confesso que nem sei o motivo de você, com essa cara de maluco, insistir tanto nesta história.

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Erick Bernardes

A mesmice e a previsibilidade cotidiana estão na contramão do prazer de viver. Acredito que a rotina do homem moderno é a causadora do tédio. Por isso, sugiro que façamos algo novo sempre que pudermos: é bom surpreendermos alguém ou até presentearmos a nós mesmos com a atitude inesperada da leitura descompromissada. Importa (ao meu ver) sentirmos o gosto de “ser”; pormos uma pitadinha de sabor literário no tempero da nossa existência. Que tal uma poesia, um conto ou um romance? É esse o meu propósito, o saber por meio do sabor de que a literatura é capaz proporcionar. Como professor, escritor e palestrante tenho me dedicado a divulgar a cultura e a arte. Sou Mestre em Letras pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ e componho para a Revista Entre Poetas e Poesias — e cujo objetivo é disseminar a arte pelo Brasil. Escrevo para o Jornal Daki: a notícia que interessa, sob a proposta de resgatar a memória da cidade sob a forma de crônicas literárias recheadas de aspectos poéticos. Além disso, tenho me dedicado com afinco a palestrar nas escolas e eventos culturais sobre o meu livro Panapaná: contos sombrios e o livro Cambada: crônicas de papa-goiabas, cujos textos buscam recontar o passado recente de forma quase fabular, valendo-me da ótica do entretenimento ficcional. Mergulhe no universo da leitura, leia as muitas histórias curiosas e divertidas escritas especialmente para você. Para quem queira entrar em contato comigo: ergalharti@hotmail.com e site: https://escritorerick.weebly.com/ ou meu celular\whatsapp: 98571-9114.

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