Erick BernardesHISTÓRIAS DE ARARIBOIANotícias

O Caramujo

Série: Histórias de Arariboia

Pixabay

Encontram-se às vezes nos mapas das cidades certas coincidências tão notáveis, que parecem revelar uma lei fatal e misteriosa chamada coincidência, um elo invisível que através dos anos e das décadas provoca em nossa mente alguma relação entre as variadas nomenclaturas existentes na língua portuguesa.

O nome, dizia um professor querido, não só nomeia como também inaugura uma procura. Quando alguém pronuncia certo registro de lugar, logo a memória da gente faz questão de trabalhar pra localizar no mapa do cérebro a respectiva referência geográfica. Quem sabe se você nunca se deparou com alguma designação de rua, logradouro ou até mesmo sub-bairro, cujos significados lançam no ar certo aspecto de piada ou trocadilho? Isso aí, qualquer comentário engraçado incorrerá no risco de se atravessar a fronteira do politicamente correto. Os espaços físicos são feitos de fronteiras, a linguagem também, um desequilíbrio pequeno evocará das profundezas do discurso a camada preconceituosa do escritor. O que dizer então de um bairro chamado Caramujo, onde as ruas em formas de espiral tonteiam o cidadão que só faz circular (literalmente) o seu trajeto diário de ida e vinda ao trabalho. Pois é, esta crônica foi narrada por Marcelo, morador há décadas desse característico bairro de Niterói. Sim, Caramujo, não tão engraçado se você precisar do ônibus para se locomover. Eu chamaria de lesma a empresa fornecedora do transporte público, mas não, melhor não. Pois dentro da concha do caracol a lesma se confundirá também com o tal molusco asqueroso. Exato. Marcelo cansou das piadas sobre onde mora. O lugar lhe dá orgulho. Tem comunidade amiga e muita diversão. História não falta por lá, material carente de pesquisa só esperando o estudioso desinibido.

O bairro Caramujo está localizado na zona convencionalmente referida como “mar de morros” por se tratar de uma série de vales e elevações caracterizados por moradias construídas nas encostas. Cercado pelos bairros Fonseca, Viçoso Jardim, Baldeador, Sapê e Santa Bárbara, o grosso da população normalmente se dirige ao centro da cidade ou a lugares nobres de Niterói para conseguir o seu sustento.

_ Como eu sei disso? Bem, já falei que sou morador do Caramujo. Trabalho de porteiro num condomínio chique no Ingá, isso aí. Tenho moral pra falar da minha comunidade. Estudo na UFF, vou ser doutor, passei para matemática, darei aulas em breve. Mas voltemos à história: o nome Caramujo deriva do fato de existir somente uma via de entrada e de saída do bairro. Além disso, as ruas são por demais sinuosas, sendo necessário dar muitas voltas para chegar ao destino ou voltar de onde partiu.

Viu aí, caro leitor, Marcelo revelou também que agora é gíria chamar a pessoa que não sai de casa de caramujo. Verdade, alusão ao sujeito escondido ou enfurnado em lugar fechado. Apelido: caramujo, afeito à habitação. Contudo, confesso, sendo eu agora amigo do morador do Caramujo, me irritaria o tal trocadilho. Em situação normal, eu enxergaria tom de bazófia. No entanto, os tempos são outros, reconheço ser este um apelido providencial. Pois bem, em época de coronavírus, atitude corretíssima é se manter seguro no lar doce lar. E, já que cheguei no tema do Covid 19, parei de dar voltas no discurso. Agora direto, objetivo: seja caramujo, siga o exemplo do Marcelo, não fique girando por aí. Proteja família e amigos, fique em casa!

Mostrar mais

Erick Bernardes

A mesmice e a previsibilidade cotidiana estão na contramão do prazer de viver. Acredito que a rotina do homem moderno é a causadora do tédio. Por isso, sugiro que façamos algo novo sempre que pudermos: é bom surpreendermos alguém ou até presentearmos a nós mesmos com a atitude inesperada da leitura descompromissada. Importa (ao meu ver) sentirmos o gosto de “ser”; pormos uma pitadinha de sabor literário no tempero da nossa existência. Que tal uma poesia, um conto ou um romance? É esse o meu propósito, o saber por meio do sabor de que a literatura é capaz proporcionar. Como professor, escritor e palestrante tenho me dedicado a divulgar a cultura e a arte. Sou Mestre em Letras pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ e componho para a Revista Entre Poetas e Poesias — e cujo objetivo é disseminar a arte pelo Brasil. Escrevo para o Jornal Daki: a notícia que interessa, sob a proposta de resgatar a memória da cidade sob a forma de crônicas literárias recheadas de aspectos poéticos. Além disso, tenho me dedicado com afinco a palestrar nas escolas e eventos culturais sobre o meu livro Panapaná: contos sombrios e o livro Cambada: crônicas de papa-goiabas, cujos textos buscam recontar o passado recente de forma quase fabular, valendo-me da ótica do entretenimento ficcional. Mergulhe no universo da leitura, leia as muitas histórias curiosas e divertidas escritas especialmente para você. Para quem queira entrar em contato comigo: ergalharti@hotmail.com e site: https://escritorerick.weebly.com/ ou meu celular\whatsapp: 98571-9114.

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Cara…… exalto o seu querido professor quando ele diz : ” O nome, dizia um professor querido, não só nomeia como também inaugura uma procura”. É isso que nos falta. A descoberta. Assim, procuraremos e nos interessaremos por vários tópicos e projetos. Então, para mim, você é o cara que nos faz querer saber mais e mais. Parabéns pelo seu lindo projeto. Conhecimento é tudo.

Botão Voltar ao topo