Oswaldo Eurico Rodrigues

Conversamos no carro

− Boa tarde, posso entrar?

− Pode, a vontade!

− Posso ficar no banco da frente?

− Claro!

Puxou o banco para trás a fim de que minhas pernas compridas coubessem no veículo. A porta não pôde ser aberta totalmente porque o carro estava estacionado ao lado da calçada cuja altura era considerável. Na realidade, o que chamei de calçada era uma espécie de rotatória onde fica uma placa com informações sobre o local, inclusive a indicação do caminho que leva ao Sítio Paleontológico de São José. Consegui passar pelo pequeno vão com certo esforço. Acomodei-me. Mal cheguei a sentar-me e fechar a porta, uma mulher de cabelos cacheados passou no mísero corredor entre o veículo e a rotatória. Sentou-se no banco de trás. Exatamente atrás de mim. Fomos os três (passageiros e motorista) conversando pelo caminho.

Não me lembro muito bem como começou a conversa. Só me recordo de ter questionado sobre o Museu Paleontológico não ser explorado como ponto turístico da cidade. A passageira disse já ter trabalhado na administração da instituição. O motorista falou dos tempos áureos de São José, época da extração de calcário para a fábrica de cimento. Ele se referira a Companhia Nacional de Cimento Portland, localizada no bairro de Guaxindiba, São Gonçalo. Nessa época, São José tinha grande efervescência cultural. Havia festas incríveis. Roberto Carlos e Wanderléa foram citados como alguns dos grandes nomes da música brasileira presentes em espetáculos no bairro. A minha colega de viagem concordava com as palavras do motorista e acrescentava mais. Minha imaginação fervilhava. A empolgação era grande.

Fiquei imaginando como nada acontece por acaso. Sei, estou repetindo um clichê. Não consegui evitar. Atrasei-me na saída do Colégio Francesca Carey, perdi um carro anterior. Bendito atraso! Vivenciei uma das melhores conversas já experimentada por mim. Eu sabia por meio de outras pessoas dos tempos áureos de São José e de toda o distrito de Cabuçu. Eram conversas rápidas espremidas pelas mãos cruéis do tempo a nos tocar para a luta diária pela sobrevivência ou para as importantes coisas fúteis a pipocar no mundo. No colégio, a coordenadora me disse quem foi Francesca Carey e mostrou-a a mim num quadro antigo. Tratava-se alguém muitíssimo elegante. Na imagem, parecia ser alta e esguia. Bela no porte e nas feições. O horário da aula chegou. Tinha que atender os alunos. Uma moradora do bairro falou das grandes festas enquanto eu aguardava um veículo a me levar para Cabuçu. Não conseguiu concluir suas palavras. Alguém passou e me ofereceu carona. Uma antiga colega professora em São Gonçalo contou sobre o seu pai, morador da região no tempo em que havia casas muito confortáveis construídas pela fábrica para os funcionários. Era uma verdadeira cidade vinda abaixo depois do fechamento da empresa. A derribada das residências foi proposital e feita pela própria companhia. Pretendo pesquisar sobre isso e publicar algum dia. Por enquanto, deixe-me voltar à narrativa.

Interessante essas informações virem sempre por meio de mulheres. O motorista foi o único homem a dizer sobre as glórias de outrora nessa parte do município. Mais uma vez a narrativa mais instigante foi a de uma mulher. A passageira falou de maneira empolgada sobre a Dona Liliosa, sua bisavó afetiva. Essa senhora era alguém a frente de seu tempo. Diligente, culta, educada, amante das artes e do conhecimento. Foi ela quem reivindicou a construção duma escola para os filhos dos funcionários da fábrica. Sua bisneta nos contou com a casa da Dona Liliosa era uma verdadeira galeria de arte ornamentada pelo gênio criativo dessa mulher ímpar! Ela foi capaz até mesmo de escrever um livro a mão. Ela se fazia presente e forte sem violência, mas com firmeza. Não era militante, mas conquistava seu espaço e o dividia com os demais. Mudou o lugar onde vivia e me levou a querer saber mais sobre ela. Fui seduzido novamente por uma personagem. É a realidade de quem gosta de escrever. Aliás, preciso continuar.

Depois de tudo o que ouvi no caminho de volta para casa, só me restava criar esse texto. Em realidade, ele nasceu uma semana mais tarde. Sua elaboração teve de ser interrompida a fim de que falasse sobre outra mulher incrível atacada por pitbulls em Saquarema: a escritora Roseana Murray. Nesse texto falei também sobre o recém falecido Ziraldo, o eterno pai do Menino Maluquinho.

Vocês têm percebido o quanto as mulheres vêm tomando conta dos meus textos? Deve ser porque sou um afortunado cercado de pessoas maravilhosas desde o meu nascimento. Tive o privilégio de ter duas mães: uma biológica e outra do coração, duas avós, várias tias e primas, uma irmã, três sobrinhas, uma neta e uma sogra, que deu a mim um soprano lírico capaz de me fazer voar muito longe em altas notas.

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