Valdeci Santana

Meu avô

Meu avô

Olha lá meu avô, com seu caminhar lento, revelando a calmaria de um espirito que já correu demais, mas, que entendeu que não é necessário pressa e que devagar também se chega longe. E que na vida, não importa a velocidade de seus passos e sim a forma com a qual você aproveita o caminho.

Seu sorriso já não é tão largo e os poucos dentes que lhe restam não propõem tanta branquidão, mas, gosto de vê-lo sorrindo. Sinto-me orgulhoso em fazê-lo sorrir, pois, arrancar um sorriso no rosto de quem tivera tantos motivos para tal, é um feito grandioso.

Gosto das linhas que se cruzam pelo seu rosto, ainda que elas lhe emprestem uma expressão cansada. Gosto de imaginá-las como uma representação física das tantas vidas com as quais ele cruzou ou, que tenham sido herdadas de sua semente e que se entrelaçam frequentemente. Eu sei que aqueles sinais da velhice são como impiedosos ponteiros, tiquetaqueando o pouco tempo que lhe resta, mas, lá no fundo, adoro sua velhice, aliás, é exatamente ai que está o seu charme, nos seus cabelos brancos, que parecem chumaços de algodão colados no crânio, na sua pele que mais parece um papelão amassado, nos seus dedos ossudos que se assemelham a longos gravetos secos, na sua voz fraca e em seu olhar prateado.  Meu avô sempre foi velho aos meus olhos. Gosto de imaginá-lo em sua juventude, vivendo os tantos episódios que ele já narrou dezenas de vezes.

Na sua velha cadeira de balanço ele faz um balanço monótono de sua longa vida. Gosto de sentar-me ao seu lado, onde admiramo-nos mutuamente. Eu, de canto de olho, tentando viver longos anos adiante imerso em sua velhice, enquanto que ele, de igual modo, revive seus distantes dias idos na minha juventude.

Dentro de seu corpo frágil ruge a alma brava de um guerreiro. Eu tenho medo de ficar velho como ele. Enquanto ele agradece intimamente por não ser jovem e tolo como eu.

Avô de verdade é aquele que resmunga pelos cantos, que implica com qualquer coisa, que acha tudo caro, mas, para os netos não questiona o preço. Todo avô que se preze é teimoso, é ranzinza. E isso é magnifico! Avô tem piadas que já perderam a graça e truques que ele repete mesmo depois dos netos crescidos, pois, para ele seremos sempre crianças. Avô é inimigo da moda, aliás, todo avô tem sua moda própria.

Passar um tempo com o avô é ler uma enciclopédia toda, é ver valor imenso nas pequenas coisas da vida. É compreender que a sofisticação está nas coisas mais simples.

Quando falta uma cadeira na mesa da família, já é o suficiente para trazer uma profunda tristeza, pois, aquele que gostava de reunir um mundaréu de gente satisfeita em torno de si, hoje descansa numa lápide fria.

Saudades de avô é saudade duplicada, pois, carrega a dor filhos e neto. Só me pergunto por que Deus só errou quando não tornou os avós imortais, pois, o mundo sem eles não tem muita graça.

fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pessoa-segurando-a-haste-33786/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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