Cristina Vergnano

Feitos de memórias

Os deuses voltaram a se reunir e pensaram com o que fazer um ser realmente superior. Deram-se conta do milho que crescia nas encostas dos montes criados por eles (…) compreenderam que era a matéria indicada para fazer um ser perfeito. (…) Assim nasceu o homem. Sabia pensar, falar e se mover. Era inteligente e bom. E o primeiro que fez foi adorar seus deuses e lhes agradecer a vida que lhe haviam dado.

Popol Vuh (adaptação e tradução livres)

(…) li muitas histórias de robôs e descobri que elas se encaixam em duas classes. Na primeira (…), havia o robô-como-ameaça. (…) Na segunda (…), havia o robô-como-pathos. (…) eram amáveis e geralmente manobrados por seres humanos cruéis. (…) quando escrevi a primeira história (…) comecei a pensar nos robôs como produtos industriais, construídos por engenheiros (…) dentro de normas de segurança (…) projetados para desempenhar certas tarefas (…)

Isaac Asimov

— Como era por lá?

— Lá, onde?

— Na sua terra.

— Não sei se saberia dizer com exatidão. Já faz tanto tempo e está tão longe… Uma coisa lhe digo: nunca foi perfeita. Mas eu gostava assim mesmo. Tinha vida.

— Você sente falta, não?

— Às vezes. Minto; com frequência.

— Por isso estou aqui?

— Em certo sentido, podemos considerar que seja essa a razão. Tudo nesta estação é por demais árido, antisséptico, estéril, solitário.

— E, claro, você precisava de alguém, de companhia.

— …

— Todos os seus, os da sua espécie, são iguais? A você, digo.

— Nem tanto. O básico, sim: igual. Mas há variações: tamanho, cor da pele, cabelos, sexo, gênero, gostos, ideologias.

— E por que sou assim, diferente?

— Eu sentia falta de algo mais além das pessoas. Uma lembrança de infância.

— Só isso?

— Tem mais um detalhe. Para ser sincera, nunca consegui desenvolver uma forma física complexa. Já a IA é programável e, nisso, eu sempre fui boa. Mecânica e genética são outro departamento, totalmente fora da minha especialidade.

— Entendo. Eu gostaria de parecer com você, ao menos um pouco. Acho que me sentiria pertencendo mais a alguém e a algum lugar.

— Mas você me faz feliz. Sabe disso, né?

— Ahã… Imagino que isso tenha de bastar. Quer dizer que lhe faço recordar uma boa memória?

— Sem dúvida!

— Está certo, então. Olhe, vou esticar as asas por aí. Volto em seguida.

— Vá. Não vou mesmo a lugar nenhum. — “Sim, uma recordação muito doce: o dia em que uma borboleta visitou minha biblioteca.”

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Link da foto em destaque: autoral.

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Cristina Vergnano

Carioca, tijucana, nascida em 1961, foi professora e pesquisadora em compreensão leitora, no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em 2018, se aposentou. Desde então, é escritora, blogueira do "Tecendo o Verbo" e fundadora do Grupo Traçando de escritores. Sua produção se volta para as crônicas, os artigos de opinião e os contos. Teve textos selecionados no Prêmio Rio de Contos, segunda edição e no Prêmio Arte e Literatura USP 60+ de 2021. Publicou contos em coletâneas.

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2 Comentários

  1. Lindo conto. Parece simples, mas entrega tanto nas entrelinhas. Nosso destino. Nossa solidão. Nossa busca por humanização….
    Sua personagem principal me lembrou um outro conto seu, na loja de antiguidades. Eu adoraria vê-lo por aqui!

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