Valdeci Santana

O farol

Fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/farol-vermelho-e-branco-1105382/

Quando o manto negro da noite tinge de escuridão os telhados, onde as luzes se apagam, eu, melancólica criatura noturna, ave de rapina, alço voo certeiro para aquele farol. Reduto profano da boemia. Altar sagrado da seiva libidinosa. Com suas luzes vermelhas, convidado os deprimidos navegantes das profundas aguas da solidão, para um misericordioso afago.

A ânsia de afogar-me naquele antro de carinhos fáceis, me obriga a abandonar navio e, ébrio serviçal da sedução sigo a braçadas, guiado pelo odor almiscarado que vaza de suas fendas.

Desço âncora numa mesa qualquer sob a qual transborda um cinzeiro entupido de bitucas, e debruço minha existência num gole de um antidoto etílico, que parcialmente abranda minha ferida, ao mesmo tempo em que alarga a vala para onde me precipito.

Invejo os destemidos pais de família, que passam diante daquele farol e controlam a febre impulsiva que sugestiona uma espiadela. Vejo-os retornando para a monogamia repleta de conflitos diários, onde pares medem forças e encenam uma trama confusa. Confuso demais ao entendimento deste animal noturno. Bicho das sombras.

Quando baixas palavras são sussurradas na fertilidade do meu solo, eu me dilato. Meus lábios redigem um vocabulário chulo aos ouvidos de quem de tudo ouviu. Deito meu corpo febril na cama de múltiplos amores trocados onde oferto e recebo juras mentirosas.

Quando a luminosidade do dia chega, apagam-se as luzes do farol e consumidos pela noite, somos devolvidos ao cotidiano que não nos oferta qualquer graça. Agora sou novamente um barco maltrapilho à deriva, rodeando o farol sem forças para viver longe de sua luz.

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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