Ellen Lessa

A cadeira

Fonte: canva gratuito

 

A cadeira

 – Olá! -Disse uma voz em alto e bom som.

Com medo, dei um pulo da cadeira onde estava sentado, será um bandido? Não, não pode ser… Eles não dizem “olá” e depois servem um café… A essa altura eu já teria “ido de Olavo”! Tudo bem, Marcos, fique calmo e… responda?

– Oi?!

– Que meses foram esses últimos, não?

Essa pergunta me estilhaça, até esqueço brevemente deste momento louco…

Pigarreio e prossigo sem entender o que estava acontecendo, o que é isso? Como sabe? Como essa voz sabe de mim? Calma aí, VOZ????

– Marcos, eu consigo ouvir daqui sua mente borbulhar, olhe à sua esquerda…

Virei-me com receio e exitante, essa coisa sabe meu nome! Respiro e por fim deparo-me com uma cadeira velha, desgastada, que por algum motivo deixei largada por aqui, sou um preguiçoso mesmo! Não sabe nem cuidar das próprias tra…

– Ei, Marcos, foca aqui!

– Merda! – Fui puxado de volta para a estranha realidade – Que susto, ainda não me acostumei com isso, eu estou enlouquecendo, não é? – Gargalho. – Não me surpreenderia!

– Ah, meu caro…Não diga isso, você ainda não sabe do que eu sei! Prazer, alguns me chamam de * som inaudível *

– O que? Não consigo entender quem é você! Bom, não sei o que é pior, você falando ao vento ou eu tentando te entender. Estou ficando lelé…Vou te jogar fora, agora! Você é apenas uma coisa bizarra e está no lugar errado.

– Não me maltrate assim! Estou aqui para além da utilidade de repousar. Observando no silêncio, percebo que você tem sido experiente na dor e na arrogância desde que ela foi separada de você. Sente-se novamente na outra cadeira! Vamos conversar?

– Não vou conversar com a droga de uma cadeira, se eu te jogar no lixo você não poderá fazer NADA!

– Vejo que esses meses não te fizeram bem, Marcos… Você se esqueceu de si? Dela? Afinal, ela sentava aqui e vocês….

– PARA, não preciso de uma madeira moldada de merda me dando lição de moral!

– Só quero conversar com você! Bem aqui, onde ouve minha voz, sobrou, num enorme ar vazio. O tempo corre, Marcos, sozinho ou não, sente-se na cadeira à minha frente! Por favor?

Apesar de confuso, irritado e machucado, faz tempo que não ouve nada além do seu eco sobrevoando as paredes cinzas da casa… por fim, se ajeita na cadeira e aguarda algum comentário desta… coisa.

– Estou sentado, a que devo a honra – Diz de forma debochada – de ouvir uma cadeira falante?

– Estava sentindo sua falta, você passou o café hoje?

– Ah, uau, sem respostas então. Faz alguns meses que não toco em nada em casa. Café? Café são lembranças fortes demais, não tenho mais motivos para isso, já tive tantos vícios…

– Sim, eu sei, eu me recordo da última, aquela que denominam… amor? Pois bem, ela sente tua falta, Marcos!

– Começou o blá-blá-blá e as mentiras baratas! Criatura sem nome… Eu sinto falta do silêncio que existia antes de você! – Já me sinto arrependido com essa loucura – De que vale esta conversa? O som reverbera, mas você continua sendo um vazio e a cadeira o apoio.

– Eu posso me retirar, se preferir…Porém acho interessante continuarmos, Marcos… Eu sou um fragmento de você, aquele perdido, e tenho tido muito trabalho para organizar seus medos…

– Pode me responder por que uma cadeira?

– Para que descanse. Tua rotina apática é assustadora, você deveria repousar, já não te enxergo… Você já não se ama e se cuida desde que ela foi embo…

– EU SEI, eu sei… – Sinto algumas lágrimas no meu rosto a brincar- Ela já foi tão forte e hoje não passa de fragilidade, ao ponto de se esvair, cair de nossas pequeninas mãos. Você sabe, sobra este medo que tens visto, sobra a loucura, loucura esta que me faz ter terapia com uma cadeira, fragmento de minha louca psique, que nem nome tem! Talvez eu devesse…

– Eu sei o que vai falar e nem ouse, Marcos!

– Como não falar? No auge dos meus 30 anos, engolindo café, cerveja e cigarro… Separado do amor sonhado, sofrendo de azar até no jogo da vida, e… – Por alguns instantes ele começa a enxergar uma forma humana no lugar que o vazio ocupava, e ele repete:

– Quem é você, afinal?

– Aquilo que pode te salvar.

– Mas… – Ele percebe que formam-se cachos escuros e olhos pretos iguais aos seus, tomando vida através do vazio e chocando-se com o seu próprio vazio.

– Surpreso, Marcos? Gostaria que fosse algo diferente?

– A vida, adoraria xingar, quer dizer, falar com ela, essa cretina.

– O que torna você diferente dela, Marcos?

– Eu não derreto de mão em mão, tenho defeitos…Mas ela? É apenas sádica e cruel, e…

– É nisso que você acredita mesmo?

Neste instante ele percebe a forma de si, como um espelho, encarando-o.

– Que tipo de clichê de sacana é esse?

– O clichê da vida, que encara a própria maldição e insiste em enxergar Sísifo feliz, até enxergar sua beleza no reflexo.

– Não desejei ser vida… Não desejei reflexo, há anos deixado como espelho quebrado.

– Eu estou quebrado agora?

– Não, e isso dá medo….

– Quer descobrir?

– Talvez, Marcos! Por enquanto… Que tal um café?

Ellen Lessa

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Instagram: @ellenn.mp3 e @medusa.e.caos

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Ellen Lessa

Uma vez li uma frase da Clarice Lispector que me impactou: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever.". Como ser pensante me vejo escrevendo e poetisando até meu fim. Minha arte sempre estará viva, a poesia pulsa e carregarei com toda minha alegria essa dádiva. Então, muito prazer, sou Ellen, íntima, genuína e profunda. Bem vindos a uma parte de mim!

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6 Comentários

    1. Que gratidão eu sinto ao ler esse feedback! Espero que nas próximas poesias, ou até mesmo textos em geral, eu tenha sua presença por aqui.
      Obrigada por tudo Cristina, até breve!

  1. Ellen, você está cada vez mais surpreende e criativa nas suas composições, independente do estilo literário. Continue assim, voando nas asas da escrita e você irá longe.
    Deus te abençoe e te ilumine!!!!

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