Ellen Lessa

Que dia é hoje?

Fonte da imagem: Canva gratuito

 

Abro o celular, mas é a luz do sol que permeia todo meu rosto…

O relógio? Marca 8 da manhã. A cortina entreaberta fisga a droga dos meus olhos, forçando a me acostumar com a luz que me rouba o meu… meu lugar!

Ah… já sinto o silêncio, o oco ardendo dentro de mim. Escolho, por ora, não olhar para o abismo, melhor levantar!

Caminho pela casa, e dou um bom dia embargado para quem meu corpo ainda lembra que existe por perto.

Este, que já é fraco, não é do tipo que toma café da manhã… Suspiro — sim sou mais uma fresca e mimada que não aguenta comer e tem distúrbios alimentares, coisa dessa minha nova geração, dizem. Meu alimento da manhã é um comprimido de sertralina, de resto…? Engulo a seco, cheia de ódio na saliva que desce rasgando! Obrigar, vomitar, sair de mim.

Por muito pouco crio forças, lanço-me à varanda de casa e avisto o céu cinza azulado, transbordo devaneios, namoro o restante de cor, quimeras…

Vazam questionamentos por meus poros: a quem devo esta desonra de existir? Ainda sinto o sol queimando minha pele, ainda ouço a sinfonia dos pássaros à minha volta, ainda vejo minha mãe, com amor, cozinhando…

O abismo, sagaz, tão fascinado neste meu ser amargo, faz-me olhar, faz-me palpitar a veia, faz me escorrer em dor, e ainda sim… sorrio, um sorriso sombrio e desesperado.

Uma pena tudo insistir em continuar preto e branco, ameno e sem gosto, o quente que me queimava já não me afeta, o som do cantar dos pássaros, que eu sei… já foi lindo, nada, nada me toca mais…. Olhar a mulher, tão boa quanto qualquer Deus já foi, cozinhando amor, bom você já imagina, nada. Vazio. Me resta esta lacuna gigante e, ainda sim, eu me esforço e imploro a qualquer Senhor um pouco de cor, só recebo monocromia e um empurrão ao abismo.

Acho que preciso me deitar, de novo. Repousar a “vida” que me foi imposta. O tempo salta quando estou imersa nesse quente frio em que me deito todos os dias, que por pouco ainda não é minha pele — surpresa, acordada em tais devaneios, escuto um toque na porta — olho novamente o celular e… JÁ? Eu somente me deitei, pisquei os olhos e se passaram 5 horas? — Do lado de fora a mãe diz, para o meu choque:

— Margô, o almoço está pronto!

— Ok… mãe!

Respondo, ainda abismada! O tempo daqui debaixo da minha eterna noite escorre tão rápido pelas mãos… Não sinto fome, não sinto paixão, sou mesmo ser humano? De carne eu sei que sou, já me testei… De alma? Eu já desacreditei.

Não posso comer, me avisto no espelho gélido e tudo que vejo é exageros….

Marcas do que ainda sou e do que ainda hei de ser? Não, não. Resquícios dessa confusão mental. O que sobra de nós quando o racional é tomado?

Afinal, o que restou dessa minha casca, dessa desonra?

Passam-se mais um dia, e mais outro dia, passam-se meses, anos, tudo muda e anda. Eu não.

De que vale a existência se não existe livramento da morte diária dessa casca que nos carrega? É, somos… zumbis ambulantes, somos…

— MARGÔ! VOCÊ PRECISA JANTAR, FILHA!

Hoje? Hoje devo beber um gole d’água e lambiscar algumas colheres de comida. Pisco os olhos contra a luz do luar e me sinto perdida, de novo… E…que dia é hoje?


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Ellen Lessa

Uma vez li uma frase da Clarice Lispector que me impactou: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever.". Como ser pensante me vejo escrevendo e poetisando até meu fim. Minha arte sempre estará viva, a poesia pulsa e carregarei com toda minha alegria essa dádiva. Então, muito prazer, sou Ellen, íntima, genuína e profunda. Bem vindos a uma parte de mim!

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