Ellen Lessa

Carta sobre saudade

Ariadne in Naxos de Evelyn Morgan

 

Caro Dionísio,

Provei do sabor do amor, já encontrei-me viciada no amargor do café e, de longe, fascinada, me perguntava o que te fazia fumar tanto, meu amado?
Este cigarro que te sugava tudo e num instante extravasava nuvens para fora… Como eras um homem poético! Era tudo a estes olhos apaixonados, confesso…
Com saudade, recordo-me de você às 6 da matina… Te observei, sempre nesse horário a tragar. Eu ao seu lado entornando meu café, lá nos fundos daquele maldito lugar, eu e você, o cigarro, meu café e sua fumaça que sentia, ainda sinto, na ponta da boca e me fazia gargalhar ao experimentar através de você um longo, que ainda não sabia, era um longo vício, amor. Ainda recordo de nossas inópias sustentadas pela ácida e voraz vida, sobretudo por essa maldita sociedade e seus humanos… Recordo, também, daquele seu sorriso amarelo de quem já foi cafeinado, confessou-me que seu passado, outrora doce, restou a ser amargo…
Tentei pôr meu açúcar, tentei ser teu mascar de nicotina, salvar seja lá o que precisava ser salvo, mas tua alma apenas é, Dionísio, e ainda assim te amei, ainda assim recordo do teu perfume esfumaçado que grudava em meu suor, recordo daquele fatídico dia, ao meio-dia, ao sair do trabalho e não ser mais essa mulher proibida, naqueles fundos amassados e tragados por ti.
Dionísio, nem sei o porquê desta carta borrada e derramada de memórias! É difícil, tão doloroso, como dói! Saber que partiu… Gastei minhas finanças comprando seus cigarros favoritos, comprei café, comprei amores…
Como pode nada fazer sentido sem tua alma viciada? Nada é tão vívido quanto seus olhos cinzas, que ainda exibiam desejo, resquícios desse vício que, a mim, perdura como eternidade…
Quem me dera como você, fumar, acabei perdida em ruidosa neblina para estar perto de ti. Ah… O caminho dessa lucidez é dolorosa, e o seu amor foi… o vício mais perigoso que toquei, fumei.

Com abstinência de você,
Ariadne.


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Ellen Lessa

Uma vez li uma frase da Clarice Lispector que me impactou: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever.". Como ser pensante me vejo escrevendo e poetisando até meu fim. Minha arte sempre estará viva, a poesia pulsa e carregarei com toda minha alegria essa dádiva. Então, muito prazer, sou Ellen, íntima, genuína e profunda. Bem vindos a uma parte de mim!

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