João Rodrigues

Sonho ameaçado

Eu pensava em ir pro Sul

Pra mode mudar de vida

Até que u’a seca daquelas

Avexou minha partida

Papai, com a voz embargada,

Quis falar, não saiu nada

Enfim, veio me abraçar

Mamãe também me abraçou

Quis falar… até tentou,

Despediu-se com um olhar.

 

Seu doutor, por vinte anos

Morei na grande cidade

Que tinha lá seus problemas,

Muito perigo, é verdade:

Carro demais, muito assalto…

Botei muito as mãos pro alto

Pra não perder minha vida

Lá vi jovens se perdendo

E muita gente morrendo

Pela tal bala perdida.

 

Às vezes indo pra casa

Lá se vinha um tiroteio

O ônibus superlotado

Parava ali, bem no meio

Começava a gritaria

“Me valha, Virgem Maria!”

Só se ouvia gente implorar

A mulherada gritava

Eu, em silêncio, rezava

Ouvindo a bala zoar.

 

Pensei em voltar pro Norte

Pra poder mudar de vida

Temendo encontrar a morte

Apressei minha partida

Confesso, estava cansado

Daquele mundo agitado

E do perigo, é verdade

Querendo encontrar a paz

Deixei os sonhos pra trás

Voltei pra minha cidade.

 

Aquela cidadezinha

Tranquila de interior

Ar puro, aromatizado

Com o cheiro de fulô

Papai todo sorridente

Minha mãe, toda contente,

Correram pra me abraçar

Fui tão feliz neste dia…

Ah, seu doutor, que alegria

Voltar para o meu lugar.

 

Aqui eu vivia feliz…

Os anos foram passando

E com o passar do tempo

As coisas foram mudando

“Teve um assalto acolá”

Já se ouvia alguém falar

Eu já ficava assustado

Mas o povo se calava

A paz de novo reinava

Deixando o medo de lado.

 

De repente, a violência

Foi tomando proporção

Pra todo canto que ia

A gente via um ladrão

De noite ninguém andava

Se andasse o ladrão tomava

Seu dinheiro, seu transporte

O camponês se assombrou

Pra cidade se mudou

Temendo encontrar a morte.

 

E hoje até na cidade

Já tá grande a roubalheira

Roubam de noite, de dia

Assim é a semana inteira

Roubam moto, celular

O que cismam de roubar

Já tem roubo à mão armada

Acabou-se a liberdade

E o senhor, autoridade,

Fica aí sem fazer nada.

 

Aqui de novo estou eu

Praticamente obrigado

A viver todos os dias

Dentro de casa trancado

Sair já não tem mais graça

Não posso nem ir na praça

Pois posso ser assaltado

Houve aí uma inversão

Quem tá preso é o cidadão

E o bandido liberado.

 

Seu doutor, tenha clemência

Vosmicê é autoridade

Não deixe que os bandidos

Controlem nossa cidade

Aquela com a qual sonhei

Que de saudade chorei

Querendo nela viver

Se o senhor ficar parado

Meu sonho tá condenado

A para sempre morrer.

 

 

Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/pistola-arma-meta-crime-lutar-2948729/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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