João Rodrigues

Ziraldo, o Bichinho da maçã e eu

Livros e maçãs são duas coisas que não existiram na minha infância. Neste nosso clima semiárido, aqui do sertão, não dá esse tipo de fruta; e, quanto a livros, naquela época o clima era muito mais árido ainda.

No entanto, acho que conheci maçã primeiro do que livros. Me lembro de quando minha irmã chegou do Rio de Janeiro e trouxe algumas – como parte da dieta da filha de 3 anos. Foi a primeira vez que vi a tal fruta. Achei linda! Vermelhinha! Contudo, não gostei do sabor. Sei lá… era meio sem graça. Eu estava acostumado era com mutamba, siriguela, ata, canapum, carnaúba madurinha, melancia da praia… Não vi nada demais na tal maçã.

Quanto a livros, já tinha visto a Cartilha da Ana e do Zé e um livro do Mobral, mas acho que isso não conta. Tempos depois conheci livros de verdade, ilustrados, bonitos.  Era uma coleçãozinha que tinha vindo pra escola. Nessa época, eu era professor substituto, dava aulas no lugar de minha tia de vez em quando. Lembro de alguns títulos: “O país do pinta aparece”, “O bichinho da maçã”, entre outros.

“O bichinho da maçã” me chamou muito atenção – tanto pelo título quanto pelo autor. Me lembrou da maçã que minha irmã tinha trazido e que havia me marcado. E na capa, aquela lagartinha simpática saindo da fruta era muito engraçadinha. E o autor? Ziraldo! Fiquei imaginando o que poderia significar Ziraldo. Nome estranho…

Pois é, li o livrinho de uma vez. Era pequeno. Mas ele nunca saiu da minha cabeça. Acho que por conter duas coisas que não tive na infância. Quanto à maçã, não me fez falta, é verdade; mas quanto a livros… Ah, isso me fez muita. E num é que tem coisa que a gente nunca viu, mas faz falta!

Quando atingi a maioridade, fui para o Rio de Janeiro também. Meu irmão mais velho e minhas irmãs já estavam lá. Assim como quase todos os jovens da minha época. Era costume. Quer dizer, necessidade. Com o tempo, fui ser garçom. Meu irmão já era. Assim como quase todos os jovens da minha época.

Certa vez, trabalhando em um restaurante em Ipanema, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, sabe quem sentou à minha mesa? Ziraldo! Cheguei a me espantar quando vi aquele homem alto, cabelos brancos, simpático, sobre a camisa vestia um colete cheio de bolsos, agora ali, na minha frente. O autor do “Bichinho da maçã”!

Eu já conhecia “O Menino Maluquinho”, a “Turma do Pererê”, entre outros dele, mas puxei o bate-papo com “O bichinho da maçã”. O restaurante estava vazio, então deu pra conversamos um pouco. Imagina como fiquei? Admirado, é claro! Conheci o autor de um dos primeiros livros que tinha lido na vida. Estava ali conversando comigo sobre livros e literatura como se fôssemos dois velhos amigos que havíamos estudado juntos. Ainda bem que eu já era um leitor assíduo.

Ele voltou mais algumas vezes. Conversamos mais algumas vezes. Até que o restaurante fechou – foi vendido e transformado em um prédio – e nunca mais o vi.

Ontem vi a notícia de que Ziraldo havia morrido, aos 91 anos de idade. Confesso que fiquei sentido. É verdade que a última vez que o vi já faz uns 25 anos, mas parece que foi ontem quando ele sentou à minha mesa. Jamais esquecerei de seu jeito, olhando pra mim, com aqueles olhos de quem estava vendo algo que nunca tinha visto – assim como eu – e me perguntando: “De que terra você veio, que crianças não tinha livros?”

***

Pois é, Ziraldo, descanse em paz, porque minha luta continua. Agora sou eu quem vive plantando livros em solo árido e tentando levar a leitura a terras onde ela pouco existe.

Um dia, amigo, a gente se encontra. Mas não agora. Ainda tenho muito o que fazer por aqui. Fica com Deus!

 

João Rodrigues

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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Um Comentário

  1. Olá, João Rodrigues!

    O título do seu texto me atraiu. Sou fã do saudoso Ziraldo. Sou também fã da cultura nordestina. Gostei imenso do seu texto.
    Publiquei um texto aqui no Entre Poetas e Poesias chamado “Letras feridas”. Ele também fala sobre Ziraldo e sobre a Roseana Murray.

    Grande abraço.

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