Sonho ameaçado
Eu pensava em ir pro Sul
Pra mode mudar de vida
Até que u’a seca daquelas
Avexou minha partida
Papai, com a voz embargada,
Quis falar, não saiu nada
Enfim, veio me abraçar
Mamãe também me abraçou
Quis falar… até tentou,
Despediu-se com um olhar.
Seu doutor, por vinte anos
Morei na grande cidade
Que tinha lá seus problemas,
Muito perigo, é verdade:
Carro demais, muito assalto…
Botei muito as mãos pro alto
Pra não perder minha vida
Lá vi jovens se perdendo
E muita gente morrendo
Pela tal bala perdida.
Às vezes indo pra casa
Lá se vinha um tiroteio
O ônibus superlotado
Parava ali, bem no meio
Começava a gritaria
“Me valha, Virgem Maria!”
Só se ouvia gente implorar
A mulherada gritava
Eu, em silêncio, rezava
Ouvindo a bala zoar.
Pensei em voltar pro Norte
Pra poder mudar de vida
Temendo encontrar a morte
Apressei minha partida
Confesso, estava cansado
Daquele mundo agitado
E do perigo, é verdade
Querendo encontrar a paz
Deixei os sonhos pra trás
Voltei pra minha cidade.
Aquela cidadezinha
Tranquila de interior
Ar puro, aromatizado
Com o cheiro de fulô
Papai todo sorridente
Minha mãe, toda contente,
Correram pra me abraçar
Fui tão feliz neste dia…
Ah, seu doutor, que alegria
Voltar para o meu lugar.
Aqui eu vivia feliz…
Os anos foram passando
E com o passar do tempo
As coisas foram mudando
“Teve um assalto acolá”
Já se ouvia alguém falar
Eu já ficava assustado
Mas o povo se calava
A paz de novo reinava
Deixando o medo de lado.
De repente, a violência
Foi tomando proporção
Pra todo canto que ia
A gente via um ladrão
De noite ninguém andava
Se andasse o ladrão tomava
Seu dinheiro, seu transporte
O camponês se assombrou
Pra cidade se mudou
Temendo encontrar a morte.
E hoje até na cidade
Já tá grande a roubalheira
Roubam de noite, de dia
Assim é a semana inteira
Roubam moto, celular
O que cismam de roubar
Já tem roubo à mão armada
Acabou-se a liberdade
E o senhor, autoridade,
Fica aí sem fazer nada.
Aqui de novo estou eu
Praticamente obrigado
A viver todos os dias
Dentro de casa trancado
Sair já não tem mais graça
Não posso nem ir na praça
Pois posso ser assaltado
Houve aí uma inversão
Quem tá preso é o cidadão
E o bandido liberado.
Seu doutor, tenha clemência
Vosmicê é autoridade
Não deixe que os bandidos
Controlem nossa cidade
Aquela com a qual sonhei
Que de saudade chorei
Querendo nela viver
Se o senhor ficar parado
Meu sonho tá condenado
A para sempre morrer.
Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/pistola-arma-meta-crime-lutar-2948729/