Oswaldo Eurico Rodrigues

Um projeto de prosa

Um projeto de prosa

 

Contar histórias é, de certa forma, uma tentativa de eternidade. Também pode ser uma maneira interessante de se conversar consigo, contigo, convosco, com todos… Há muito venho querendo escrever tanta coisa que nem sei. São inúmeros projetos guardados. Vem o desejo e o estímulo. Saem várias ideias ao mesmo tempo. Uma só delas vai crescer e se tornar texto feito. Às vezes, as palavras caem estéreis no chão ou sobem etéreas para a fina capa das tênues lembranças. De vez em quando elas chovem sobre nós. São chuvas gostosas de se correr no meio delas num campo ou de se curtir abraçado a quem se ama. São chuvas que dão de beber a terra, alimentam os rios e lavam o céu. Vêm finas como agulhas, grossas como bexigas estouradas das brincadeiras de criança. São tempestades impiedosas, cheias de raios e trovões. Tormenta na nossa mente. Aproveita-se, como sempre, parte da água. O restante vai para o subsolo para brotar mais tarde.

Acabo, quase sempre, por misturar minhas ideias com as histórias. Elas ficam recheadas de parênteses e trocadilhos. Eu aposto que você já dever ter percebido sempre uma explicação! Juro: não vou falar em gramática, essa tão temida área do conhecimento também apelidada de dramática. Deixo aqui o enigma. Aposto que você já decifrou.

Encerrada a piada nossa de cada dia, vamos ao que interessa. Preciso escrever um texto das sete mil ideias que tenho. Por que tanta necessidade assim de jorrar palavras? Contenha-se! Quero escrever todo dia. Várias vezes se possível. Fiquei muito tempo sem fazer isso. Agora quero dar conta do tempo perdido. Estou recebendo muitos estímulos e ficando mais cheio de histórias para lançar. Estou preocupado onde elas vão cair. Preciso ter certeza de que não estou escrevendo em vão. Meu texto precisa ser bem cuidado. Precisa de inferências, de conversas com outros textos. Precisa crescer forte e viver sozinho e maduro. Então, posso deixar cair sobre você minhas palavras?

Alguém crescia forte. Era poder a não mais poder! Conquistou muita coisa na sua vida. Era sucesso sobre sucesso. E crescia. Agigantava-se. Estava sendo difícil sua convivência com as pequenas gentes ao seu redor. Deveria ter sempre o cuidado para não esmagar ninguém, embora sentisse na pele o que é ter um rolo compressor passando sobre si disfarçado de brinquedo ou de instrumento de massagem. Gente grande também sofre. Por isso, buscou compensar sua tristeza com comida. Seu apetite, com toda certeza, era proporcional ao seu corpo. Pior: era aumentado pelas necessidades exigidas por suas atividades as quais requeriam muita energia. Não havia comida suficiente para saciar tamanha fome. Saía por aí em busca do que comer. Chegou a devorar pessoas. Cidades inteiras devastadas e avançava mundo afora. Não havia exército capaz de contê-lo. Engolia as tropas todas de uma vez e os generais lá dos seus postos de comando logo eram avistados por sua visão ainda maior do que seu próprio corpo. Em pouco tempo, eram digeridos. O planeta estava ficando deserto. Não havia mais quem fosse capaz de voar para outros mundos. Tudo fora devorado. Ruminação!

Nesse ínterim, enquanto se buscavam as últimas forças para sobreviver, descobriu algo inusitado: ainda havia vida brotando. Era minúscula. Só foi mesmo vista porque, como já disse antes, sua visão também era gigantesca. Ela passou despercebida ás suas costas e bem distante. Estava esquecida de todas as gentes. Enquanto isso ela se nutria do sol escaldante do mundo desértico. Era um broto tão pequeno que não seria capaz nem mesmo de nutrir uma única célula sua. Pensou e, por instantes, não teve fome. Pesava tudo o que já havia feito na sua vida e na solidão em cujo seio se encontrava agora em recolhimento. O broto crescia. Crescia e a criatura gigantesca diminuía. Ambas na mesma intensidade. Quanto tempo durou isso não sei. A história veio de muito longe e chegou até mim. Agora reparto-a contigo a fim de não ser internamente devorado por ela. Histórias nos absorvem e nos mantém tatuados em seu corpo, nos aprisionam e mostram para todos os outros (prisioneiros ou carcereiros) como ela nos vê e nos usa.

A história levou tanto tempo… A planta cresceu árvore frondosa e a pessoa de quem eu falava ainda estava descansando debaixo da sua sombra. De vez em quando uma fruta caía da copa e servia de alimento para ela. Caíam outros frutos na terra e a floresta surgia. Agora, diante de tanta abundância, não existia mais um corpo gigante. Nesse processo de encolhimento, os devorados foram expelidos. Não eram mais os mesmos, mas estavam vivos. Não reconheceram mais quem os devorara, posto serem todos do mesmo tamanho.

Esse alguém que crescera forte voltou a crescer, porém não mais na solidão. Cresciam juntos mais e mais e a terra se enriquecia. A cada dia, novos grandes diferentes se mostravam fortes em enorme beleza. Estavam todos crescendo e compartilhando os alimentos incrivelmente renovados. Quando se pensava chegar a plenitude do crescer, desfazia-se em sono e eram aspirados por outros em sonhos. Acordava-se com pulmões aerados e eram sopradas ideias num renovo constante.

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