Estudo de Caso
(Imagem – Veja: gafanhoto de mais de cem anos encontrado na pintura Oliveiras, de Van Gogh)
Ao despertar ainda estremecemos lembrando do assassino que já reconhecemos ser ilusão do sonho; assim, os amputados sentem a vida inteira dor na perna que já não têm. – Proust.
Foi inútil avisar sobre os perigos do trafego de bicicleta na contramão. Argumentou considerando dessa forma manter o controle, podia visualizar melhor o movimento dos carros. Agora, o corpo está parado no chão. Não sei se ainda vive, tenho medo de verificar os pulsos.
Poderia ficcionalizar, criar mil narrativas que lhe desse sobrevida. Não tenho. Estou parada. Lembrei-me de quando estendia o pescoço dócil, queria-me roída até os ossos, queria me ver sem carne. Queria ver os músculos resistindo a cada busca desenfreada pelo alimento. Acabou. A viagem do corpo desenfreado pelos ares levou-o a outros mundos. Ficamos distantes e estou aqui parada. Começo de repente a arquitetar o velório. Lembro-me de olhar o meu próprio corpo. Assusto-me. Estariam faltando pedaços? Alucino encaixes que não me pertencem. Fiquei desfigurada? O quebra-cabeça está mal engendrado, chegam-me peças erradas.
O corpo partiu.
Não há desespero. Aceito o corpo parado e o excesso de impetuosidade que o levou a ser nomeado. Dou um suspiro de exaltação:
– Fraco, frouxo e obediente não observou o sentimento que o guiava.