Oswaldo Eurico Rodrigues

De trás da câmera!

̶   Bom dia, turma!

̶   Boooom diiiia, professooor!

̶  Tudo bem com vocês? Como foi o fim de semana?

̶  Eu fui para casa da minha avó!

̶  Eu fui para a praia!

̶  Eu fiquei estudando todas as matérias, principalmente língua portuguesa, professor!

̶  Que coisa boa! Todos bem! Então, para celebrar tanta felicidade, vamos para a nossa aula magnífica sobre análise sintática!

O sorriso desesperado brotava nos rostos que já tive um dia e um dia serão semelhantes ao meu.

̶   Qual a página, fessor?

̶  A mesma onde paramos na aula passada…

O menino havia faltado a aula. O professor, impaciente, pensa: “Existe índice no livro. Por que ninguém lembra disso?” Não é nenhum problema dizer qual a página.

̶  Página 35.

̶  Brigado, fessor!

̶  Por nada!

̶  Como estava dizendo, vamos à sintaxe.

̶  O senhor quer dizer “sinta-se”?

̶  Não! É sintaxe. Pronuncia-se /sinta’se/, o “X” tem som de “S” como em “cedo”. Eu sinto que você já entendeu o que é sintaxe. Tudo bem?

̶  Não posso falar /sinta’ksi/?

̶  Não! Nem no táxi e nem aqui na sala de aula devemos falar /sinta’ksi/. O que eu desejo é: “Sinta-se bem aprendendo sintaxe!”

̶  Aê, fessor! Arrasô!

̶  Vamos logo, antes que a aula se arrase.

̶  Posso ir ao banheiro?

̶  Não!

̶  Posso beber água?

̶  Não!

̶  Ir à secretaria pagar o passeio para o Pão-de-Açúcar?

̶  Não!

̶  Posso…

̶  Não!

O conteúdo finalmente é apresentado através de uma leitura contextualizada. Sob reclamações e elogios sobre o texto, o conteúdo vai, sorrateiramente, nos envolvendo. Brisa para uns, vendaval para outros. Um mar gostoso, alguém diria. Para outros, tsunami!

Exercício. Nunca dá tempo de corrigir. Fica para a próxima aula a correção.

Que alívio! O essencial já sabem. Todos sujeitos criando seus predicados!

̶  Até a próxima aula, turma! Um beijo no coração!

̶  Para onde vou agora? Morfologia!

Todo o ritual se repete. Felizmente todos entenderam que as classes se mobilizam! Palavra de quem vive numa sociedade democrática e culturalmente plural!

̶   Até quarta, turma!

̶  É quinta, fessor!

̶  Quinta, pois… Um abraço e um queijo de soja para todos!

Recreio! Reunião extraordinária com a coordenadora.

Outra aula! Orações para compreendermos os períodos compostos por subordinação. No meio do caos, morfologia, sintaxe, semântica e estilística, tudo ao mesmo tempo agora, a fim de entendermos substancialmente bem em que circunstâncias devemos restringir ou explicar. Exemplificar em Machado? Camões? Não! Temos de recorrer à música do momento! Partimos para o jogo de ensinar e aprender. Game over! Sinal! Bom final de semana para todos.

Um bimestre inteiro… Celulares ligados, bolinhas de papel, olhares implicantes, reclamações, risadas fora de hora… Muita alegria. E as aulas seguiam.

Foram anos, décadas, séculos! Agora, um vírus cruel, invisível como os demais, porém muito manipulado e disseminado na mídia. Nova ordem mundial! Cubram seus rostos, fiquem dentro de casa!

Reunião extraordinária! Planos para viver o nunca antes vivido. Ajustes e aprendizados. Em que página encontro como abraçar alguém à distância? Em que lugar do diário devo registrar minhas dúvidas? Devemos reprovar o medo ou dar uma chance para ele? Piaget já experimentou essa situação? Como Vygotsky se comportaria? Onde estão Montessori, Gramsci, Ferrero? Freud explica?

Talvez fosse a hora de atuarmos literalmente. Luz, câmera, ação! Aula nº 1. Estrelando o professor!

Quem cuida do cenário? Maquiagem? Sonoplastia? Com Deus a direção de arte, efeitos sobrenaturais, multiplicação do som capaz de tocar cada um do outro lado da tela.

Cada dia um novo desafio. A plateia mais comportada e interativa, assimila melhor o que temos a dizer. Eis o milagre da tecnologia! Não mais bolinhas de papel, não mais beliscões. O recurso da gravação da aula, o compartilhamento do pensamento em imagens e som diante dos olhos. O mundo está a nossa disposição. Professores e alunos em troca constante. Não somos mais meninos recebendo e adultos fornecendo. Somos parceiros a aprender cada momento o bem que não basta, pois o conhecimento é infinito como os olhares atentos de quem tem o desafio por meta.

Abram-se as câmeras, abram-se os microfones! Troquemos, ensinemos, aprendamos! E assim se construiu um ano ímpar como foram todos os outros séculos a fora. Mais uma vez a criatividade e a inovação resistiram e vão resistir até o sinal da internet cair e outro recurso aparecer.

Até a próxima, turma!

Programa fechado. Professor saindo da sala.

 

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