Carina Lessa

Ocitocina, xadrez e chupeta digital

 

“Ninguém sabe o que se passa
Por detrás dessa máscara de Batman
Por detrás dessa fantasia de Super-Homem.
Só o Sombra sabe.” (S.S.)

               

                Nos últimos meses já li muitas reportagens falando sobre a falsa consciência nos ambientes das redes sociais. Moeda corrente e fácil em tempos de pandemia, Freud estava certo. Devemos procurar nossas falhas, mas não devemos esquecer nossa essência. Temos propósitos de vida e desejos. É impressionante como a tecnologia interfere nas nossas escolhas. Uma profusão de intromissões, uma viagem total pelos caminhos das imagens que nos oferecem. Malgrado tal situação, pesquisadores também tem investigado a importância de um hormônio chamado Ocitocina, quase um santo remédio, promessa para o século XXI.

A pesquisa busca como resultado a fabricação de pílulas milagrosas, isso porque tem um potencial contra distúrbios mentais. Produzido naturalmente, tem real valor no início do trabalho de parto e, pasmem, incentivam o relacionamento monogâmico. No entanto, devemos tomar cuidado, o hormônio do amor em excesso é capaz de fixar memórias negativas e gravar traumas no cérebro.

Fico pensando na eficácia dessas pílulas. Será a ausência de ocitocina a causa de hibernarmos em tempos de pandemia? As pessoas fazem pouco caso da nossa existência. Confundem as impecáveis técnicas francesas ao servir o jantar e tenho a impressão de que já não nos podemos lembrar dos banquetes maravilhosos depois de um dia de glória. Bem, trago uma imagem utópica pós-vacina.

Vocês devem estar se perguntando o porquê da epígrafe, explico. Tudo a ver com as redes sociais. Tenho recebido mensagens anônimas, desconfio de possíveis hackers. Nitidamente leem os meus escritos, mesmo os que ainda não foram publicados. Pedi ajuda a uma amiga especialista no assunto que me acolheu muito carinhosamente quando disse estar decepcionada. Sei que sucesso, seja profissional ou amoroso, não é coisa que se conquiste fácil. Mas minha amiga, como sempre, foi de uma generosidade ímpar. Aproveitando a metáfora do xadrez (está na moda), eu me sentia um peão, mas um combatente frágil, sabe? Ela quis que eu ficasse bem. Disse que já havia enfrentado esse problema, justamente como diz os três versos acima (Não conheço o autor, mas decidi chamar de S.S. – Super-homem/Sombra). Que gesto cativante! Me deu uns sentimentos de empréstimo. Um gesto tão largo e espontâneo, fiquei com vontade de abraçá-la. Quase se viu uma lágrima escorrer.

– Amiga, se estiver me lendo, dedico esta narrativa a você. Estou chorando aqui baixinho. Eu nunca quis ser um enigma para os outros. Nunca quis que invadissem minhas palavras, gestos, sentimentos… Desconfio que estão falando mal de mim pelas costas. Ainda bem que você já me indicou um caminho de cura pela fé. Suas palavras brilham feito neon agora, bem na minha frente. Outros amigos não fariam como você, ficariam em silêncio sem se comprometer. São pessoas autocentradas, que realmente não gostam de entregar os sentimentos, só querem saber de olhar a própria imagem. “Flaubert disse que a burrice é querer concluir. O imbecil pode chegar por si mesmo a soluções peremptórias, definitivas”. Ainda bem que você me abriu os olhos.

Recado aos leitores a propósito da agilidade da internet: leiam Não contem com o fim do livro, de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Envio-lhes minha resenha de 2010 publicada no Jornal do Brasil, nunca senti que pudesse fazer tanto falta. Digo isso porque já sabem como privilegio os métodos clássicos e, dizem por aí, que na França não param de inovar as leituras e os métodos de escrita.

Segue o link: https://a-informacao.blogspot.com/2010/07/fim-do-livro-umberto-eco-e-jean-claude.html?fbclid=IwAR17uFEalX-46JKCD6ZocI9Z2M70ea1nzvCTVVB5XpKtCvGoNHyejONKutM

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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