Desabafos & DiscussõesLuiza Moura

O opaco da unidade

O intermédio do que se conhece como vida e morte está para além do que se conhece como consciência. É a plenitude do sentimento vegetal, objetificação inevitável. Esse é o sentimento geral da unidade do universo. Essa é para a condição humana da chamada consciência, a inexorável distração, a inexorável existência. O opaco da unidade. A condição de vida ou não-vida é tenuemente separada por algo que acreditamos ser exclusividade humana: o questionamento, a consciência. Essa exclusividade nos fez desenvolver uma lógica a qual separa o que é vivo do que não é vivo, baseada num conceito de ciclo de vida. Até onde podemos compreender, sem mente humana, não existe identificação do que é ou do que não é. A ideia da evolução das espécies, por mais fundamentada que seja, não garante uma melhoria exponencial para a espécie, visto que ela está sempre se adaptando ao meio. Então, o que aconteceria seria apenas readaptações de acordo com o que seria melhor para estabelecer equilíbrio no seu “ciclo de vida”. Porém, o ser não acumula adaptações, apenas se modifica. A ideia então da evolução da mente, é muito questionável. A ideia de “evolução”, é muito questionável. Aonde começa a consciência? Aonde começou o questionamento? Não sei dizer, mas sei que foi ali que começou a ideia de “corpo X alma”. O corpo seria o macaco, o impulso, a carne; A alma seria uma outra “vida” dentro do corpo, sujeita a rejeitá-lo ou a abraçá-lo. O submarino.

O submarino trafega sob águas profundas, até o momento de voltar a superfície. Porém ele está sujeito a quebrar no fundo do oceano, a não suportar a pressão daquelas águas. Seria no ser humano a consciência uma herança do elo-perdido? Feito água e óleo, corpo e consciência seriam imiscíveis, frutos de uma reprodução não compatível entre o macaco e o elo-perdido. Porém, esse “erro de matrix”, já acionado, já na teia da existência-inexistência, já está no opaco da unidade. O ser humano então, é unido pela desunidade. Distraído pela desdistração. Seja lá esse elo-perdido “Deus” ou alguma espécie de alienígena, se tem algo que ele não quer é paz. Mas, inevitavelmente, era para acontecer, pois, dentro da condição do tempo-espaço, nada volta atrás, é tudo uma grande cadeia de ação-reação química, ou seja, lá qual a crença, uma grande queda em cascata de fileira de dominó. Tudo telegrafado pela grande cascata da unidade universal. Para nós, a ideia de destino. Essa eterna condição de unidade e de fazer parte dessa grande cascata onde não existe a possibilidade da real liberdade, é a real liberdade. O óleo (ou a água), o gene do elo-perdido, a consciência, desperta em nós o sentimento binário. O grande maestro do absurdo humano. A repartição binária de tudo, visto que em nós, sempre existem duas criaturas. Junto a isso, o sentimento de não-pertencimento pertencente, o sentimento de estar vendo de fora toda a cascata, de dentro todo o oceano. Nesse pacote, duas coisas (oh não diga) vêm atreladas: a soberba e a dor existencial. A soberba é o orgulho do elo-perdido e a inevitável postura do macaco, após achar que conseguiu a melhor banana; E dor existencial é o momento ameno onde o óleo repousa inteiramente sobre a água, longe do chacoalho inevitável do dia a dia, onde acreditamos, por alguns minutos, ser inteiriços.

A liberdade vem através do prazer. A liberdade é o abraço entre o elo e o macaco. Se ver na água enquanto óleo e vice-versa: um sustentáculo e uma proteção. O primeiro passo para a real liberdade e consciência é esse abraço. Depois dessa etapa, o ser humano tem o direito de escolher se pertence a cascata ou se não pertence. O desejo de se matar sem passar pela etapa do abraço deve ser acompanhado por pessoas já abraçadas profissionais da psiqué, para um melhor esclarecimento da pessoa em estado de dor e para ela saber que pode e deve se sentir livre, antes de negar (ou não) a cascata. (Desligar-se da condição de vida por dor existencial, é desligar-se enquanto escravo, no desejo de liberdade). A etapa seguinte seria a escolha, de fato, entre a aceitação ou negação da cascata, o codex. O codex é o arrebatador da consciência real, a mesma cascata, ampliada nos processos humanos: o destino implacável, Deus. Se a pessoa está encantada pela distração, ela está erótica e vai se distrair com prazer. Se ela está desencantada pela distração, ela está thanática e vai se distrair também, porém sem prazer: tudo pode ficar ruim e desagradável… e preso: isso traz inexoravelmente a afinidade com a finitude – essa afinidade é um enigma irisado, de amplitude relativa. Muitos são os fatores que vão dizer como o indivíduo vai se comportar diante de sua pulsão de morte. Por isso, é impressindível a busca pelo abraço, mesmo que esse não seja alcançado. A aceitação do absurdo humano enquanto não portador da real consciência humana é a homeostase ingênua, mais próxima do macaco, trazendo a sabedoria-mãe, da mãe natureza. A aceitação, processada através do codex, traz a homeostase desvirginada, portadora da sabedoria-cretina: a eterna finita busca do florecimento do ser enquanto transvalorador de sua existência, guiada pelo prazer e sem uma lógica natural de “ciclo de vida”.

Não portar a real consciência humana é uma etapa natural em um período da condição de “vida”. Negar ela, já não é uma etapa natural e pode ser muito problemático, principalmente se for reger uma sociedade. É preciso que a humanidade tenha reconhecimento ao opaco da unidade para que se construa uma sociedade mais plena no sentido de trazer à tona que a disparidade óleo-água é comum a todos e que essa é a nossa natureza e não a nossa injustiçada praga da correnteza implacável do rio da cascata. Uma sociedade só pode ser efetivamente coerente tendo um regimento opaco. E ser opaco é não ser regido pelo medo e pela fuga. O medo é da condição humana, mas o questionamento e a investigação também é. Se deixarmos de abraçar quaisquer condições humanas, deixamos a humanidade de lado. É preciso coragem para entender que não somos simplesmente parte de um todo, mas sim o todo de uma parte.

(Esse texto é de Felipe Bandeira de Magalhães, natural de Salvador-BA, nascido em 10/07/1995, cantor, compositor, arranjador, multi-instrumentista, atualmente em conclusão do curso de Música Popular (Composição e Arranjo) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Voluntário artístico da oncopediatria do Hospital Aristides Maltez (HAM) desde 2015, Felipe tem um álbum autoral lançado em 2018, dedicado às crianças do hospital e já tem previsão para o lançamento de seu segundo álbum, elaborado no contexto da quarentena, ainda nesse ano de 2020.  Felipe tem, também, experiência de pouco menos de um ano participando do elenco do teatro Vila Velha, porém não chegou a fazer nenhuma peça com o grupo. Apesar de sempre ter tido uma relação muito íntima com a escrita, é a primeira vez que disponibiliza um texto para o público, fora do contexto musical. Acompanhe o artista no Instagram: @felipebande)

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Luiza Moura.

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Luiza Moura

Luiza Moura de Souza Azevedo é de Feira de Santana. Enfermeira. Psicanalista e Hipnoterapeuta. Perita Judicial. Mestre em Psicologia e Intervenções em Saúde. Doutora Honoris Causa em Educação. PhD em Saúde Mental - Honoris Causa - IIBMRT - UDSLA (USA); Doutora Honoris Causa em Literatura pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. Possui MBA em gestão de Pessoas e Liderança. Sexóloga; Especialista em Terapia de Casal: Abordagem Psicanalítica. Especialista em Saúde Pública. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Especialista em Perícias Forenses. Especialista em Enfermagem Forense. Compositora e Produtora Fonográfica. Com cursos de Francês e Inglês avançados e Espanhol intermediário. Imortal da Academia de Letras do Brasil/Suíça. Acadêmica do Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Membro da Luminescence- Academia Francesa de Artes, letras e Cultura. Membro da Literarte- Associação Internacional de Escritores e Artistas. Publicou os livros: “A pequena Flor-de-Lis, o Beija-flor e o imenso amarElo” e "A Arte de Amar. Instagram: @luiza.moura.ef

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