Valdeci Santana

O colecionador de pérolas

O colecionador de pérolas.

Nem sempre tive este rosto pálido e essa pele esponjosa. Pelo contrário, em algum momento de minha juventude, eu fui o que a garotas da época chamavam, de “pedaço de pecado”. Mas, nunca me importei com tais frivolidades. Beleza é uma distração que desvia qualquer objetivo. Não estou preocupado com o rosto que reluz em meu espelho, estou interessado é no brilho fantástico de minhas pérolas. Pérolas têm valor. Rostos não.

Eu coleciono pérolas há anos. E me orgulho disso. Acumular riqueza é o objetivo de qualquer mortal, num mundo capital. E se você discorda com toda certeza é um pobre.

Eu as reconto todos os dias, initerruptamente, às vezes, mais de uma vez por dia. Mesmo sabendo quantas elas são. Gosto de juntá-las sobre a mesa, a mesma mesa que já dividi com uma mulher que dizia me amar, mas, que se enciumou das pérolas e acabou por deixar-me. Ela alegara que havia se cansado e que eu era um avarento e tornava-me um velho mesquinho, e outras tantas coisas mais. Coisas que as mulheres dizem quando estão zangadas. Por fim, a infeliz foi viver com um pobre senhor que não tem sequer onde cair morto. Dizem que eles são felizes. Mentira! Ninguém é feliz sendo pobre. Isso é o que eles inventam para engarem a si próprios e se resignarem a uma vida de misérias. Felicidade é uma prostituta ambiciosa, a dispor de quem pagar bem. Eu a deixei ir, pois, novos amores a gente frequentemente se encontra, na fila de supermercado, numa praça, ou num passeio disperso pelas calçadas. Já pérolas, são dificílimas, por isso são valiosas.

Não tenho saído de casa, pois, não há nada que me agrade nas ruas. Além do mais, temo deixar minhas pérolas sozinhas, vulneráveis aos tantos vadios, arrombadores que vivem por ai, a nos espreitar e nos furtar. Também não as guardo num banco. De forma alguma! Um banco pode roubar mais do que cem homens armados.

Não tenho ido ao médico. Médicos são uns arrogantes que pensam que de tudo sabem. O patife tivera a ousadia de receitar-me acompanhamentos psicológicos. Absurdo! Psicólogos são para quem não sabe o que quer na vida, e eu sei exatamente o que quero. Mais pérolas ora! Ele pensa que eu não sei que ele e o tal psicólogo estão mancomunados, assim como estão mancomunados toda esta classe médica, que vive empurrando os pacientes uns aos outros, com objetivo de mantê-los sempre doentes, sempre gastando em suas consultas cada vez mais caras. Eu que não gastarei minha riqueza nas mãos destes espertalhões. Por certo, eles também desejam minhas pérolas.

Pois bem! É certo que você, que percorre os olhos por estas linhas, não esteja interessado nos detalhes da rotina de um velho, nem se tenho ido ou não ao médico. Você pouco se importaria se estas palavras dissessem apenas que eu morri. Até porque é exatamente o que acontecem aos velhos, de uma hora para outra, eles morrem. E eu não o culpo por isso. O que o prende aqui são as minhas pérolas. Minhas valiosas e reluzentes pérolas. Ah! Eu conheço bem o seu tipo. Sei que está lendo estas palavras com uma expressão desanimada no rosto, apenas para não alardear quem por ventura se avizinha. Para que ninguém tome nota da descoberta que acabar de fazer. Sei que você não pensa em compartilhar com ninguém, as informações que talvez, despercebidamente eu lhe dê. Afinal, isso é tudo que todos querem. A riqueza. Ninguém está interessado nas pessoas, somente no tilintar dos niqueis. Mas, ninguém tem coragem de assumir isso abertamente. Pois, talvez eu lhe diga algo mais à frente, ou, talvez não. E se quiser ir folhear outros artigos, que vá, pois, tenho riqueza suficiente para comprar dezenas, senão centenas ou milhares de leitores. Não que eu vá fazer isso. Mas, as pessoas são compráveis.

Ontem vi um casal de velhos sentado num banco da praça. Pelos deuses! Só o enredo já é por demais, enfadonho. Praça, velhos, pombos e reminiscências. Que tédio! Quem está interessado nisso? Conheço aqueles dois. Sei que eles sempre criticaram minha busca sedenta por riquezas e meu modo de vida. Disseram que eu morreria só. E de fato estou só, mas, afinal, quem quer morrer acompanhado? Na urna sepulcral cabe somente uma pessoa. O casal se diz realizado, pois, têm filhos, netos, uma boa casa e saúde. Sinceramente, que graça pode haver em filhos e netos? São coisas que remetem a gastos. Consomem nosso dinheiro. Eu conheço o casal, pois, trata-se de meu irmão e minha cunhada. Talvez eles nem saibam que passeiam diante de minha janela, já que nunca lhes dei meu novo endereço. E porque eu quereria parentes em minha casa? Para pedir-me dinheiro? Meter os olhos gordos em minhas pérolas? Não! De forma alguma. Eu e minhas pérolas nos damos muito bem sozinhos. Aliás, é como se fossemos uma extensão um do outro. Eu e minhas pérolas somos um. Uma aliança. Um só corpo. Somos um só corpo. Somos… Espera! E se eu as engolir?

Fonte da imagem:https://www.pexels.com/pt-br/foto/colar-cinzento-frisado-908183/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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