CASTILLO E MODERN: DOIS POETAS ARGENTINOS
Quando se pensa na literatura Argentina, logo vêm a nossa mente os nomes de Jorge Luis Borges e de Ernesto Sábato, escritores de uma importância monumental para a Literatura, entretanto esquecemos que existem outros escritores e poetas excelentes nas letras argentinas.
Prova disso está as figuras de Horacio Castillo e Rodolfo Modern, ambos eminentes poetas e tradutores renomados, com diversos livros publicados, mas, infelizmente, pouco conhecidos fora do rincão argentino, ao menos no Brasil.
Rodolfo Modern consiste em ser um poeta conciso, adepto do poema sintético que consegue expressar uma gama enorme de sentidos em poucos versos, como no poema em que presta homenagem a Paul Celan, poeta judeu de expressão alemã:
RESPOSTA A PAUL CELAN
Para quê
palavras
quando
a pele está
aberta
ao coração
o agita
um vento
des-
acorrentado
e o peso
da voz
dissolve
o mundo
em puro
pranto.
Rodolfo Modern tornou-se ao longo do tempo um poeta refinado, lembrando os clássicos, utilizando uma linguagem concisa, como um bloco, ou monólito que em cada poema traz a marca da emoção e da inteligência.
Seus poemas são curtos, porém de grande densidade poética e não é por acaso que conseguiu levantar importantes prêmios nesse país excepcional que é a Argentina.
Nascido em 1922, em Buenos Aires, doutor em Direito e Ciências Sociais e em Filosofia e Letras; foi professor de literatura alemã na Universidade Nacional de La Plata e Buenos Aires; tradutor de vários autores de língua alemã, como: Hermann Hesse, Rilke, Paul Celan, entre outros. Seu campo de atuação é vasto como sua cultura e carrega a força da tradição, sem se descuidar da modernidade.
Horacio Castillo, por sua vez, também conquistou prêmios importantes. Tradutor de poetas gregos, como Odysseus Elytis, nasceu em 1934, em Ensenada, província de Buenos Aires. Advogado emérito, concebe uma poesia viva e vibrante, cheia da força da língua espanhola. Alguns de seus poemas são construídos à base de questionamentos e tendem a apresentar o olhar do poeta que capta o mundo de uma forma diferente, mais humana, mais consciente das leis da natureza, do que há de feérico e misterioso no universo. Há também uma aproximação da religiosidade, como no poema:
DUELO À HORA EM QUE CANTA O GALO
PRIMEIRO GALO
O desejo fez sua obra, mas excedendo-se
Promoveu a guerra santa da negação.
Estopa na boca, a alma sobre pregos,
Tudo perdido antes da estrela matutina.
E a matéria, um bem menor, híbrido,
Precipitando-se na região das mães mudas.
SEGUNDO GALO
A aurora vem e venderão seus olhos, a empurrões
Tropeçando até as largas mesas de pescados,
Nuca deserta, láudano trágico, até a faca
Descamado, desossado, e o olho – vesgo –
Extraviado na mais completa lassidão.
A alma, a alma, diz vomitando as vísceras.
A alma, respondeu pisando a roda de seu vestido
De noiva e correndo até o sumidouro
Meca de gatos exercendo também seus direitos.
TERCEIRO GALO
Graça abundante, atoleiro do orvalho,
Martírio na corredeira do jamais,
Todos ao funeral, todos ao funeral,
Às cegas frente à espreita do aguilhão.
Olá, chamariz do penacho rosa,
Nó cerrando-se com o peso do iminente.
E você, diamante ébrio, mito e natureza do pedernal.
Ambos os poetas argentinos convocam-nos a entrar em contato com poesias de alta qualidade, abrindo-nos um universo de possibilidades. Esse contato leva-nos a alargar nossas fronteiras culturais e fugir dos padrões impostos por uma dominação mercantilista, a mais das vezes de gosto duvidoso.
Fonte da imagem: Foto do autor.