João Rodrigues

E eu com isso?

Acordo às cinco e meia da manhã, esfrego os olhos e me dirijo ao banheiro. Várias motos barulhentas passam em frente ao meu apartamento. Algumas delas fazem um barulho ensurdecedor, abafando o canto de alguns passarinhos que dormem nas árvores em uma praça em frente onde moro. Três mulheres caminham em volta da praça, fazendo sua caminhada matinal, conversando sobre os últimos acontecimentos da cidade, ou sobre novela, não sei bem ao certo. Ora riem, oram ficam silenciosas, mas por pouco tempo.

Deito numa rede que fica na área, me espreguiçando um pouco, curtindo o friozinho que anuncia a chegada de mais um dia. Outra moto passa pipocando, e mais outra. Logo a rua está cheia delas, que passam feito loucas, barulhentas, na contramão, sem avisarem pra onde vão, parecem não ter setas, ou talvez o piloto nem saiba pra que serve uma seta. Me encosto no parapeito da varanda e fico olhando o trânsito.

Minutos depois desço pra rua. Preciso trabalhar. Homens e mulheres passam pra cima e pra baixo, crianças indo pra escola, e outras não faço ideia pra onde vão. Algumas mulheres conversam sobre a última vítima do mosquito da dengue. “Está internada, muito mal. Talvez seja dengue hemorrágica.” Algumas delas nem mesmo sabem o que isso quer dizer, mas dizem porque ouviu alguém dizendo. Culpam o poder público, a Deus e o mundo.

Caminho mais um pouco e me deparo com uma poça d’água parada ali há três dias. Me lembro muito bem da última chuva, foi exatamente há três dias. Ninguém passou pra secar aquela poça. Tou nem aí pra ela! Não faço parte da Secretaria de Saúde. Olho pro lado e vejo vários copos descartáveis jogados em frente a um bar; mais adiante, na pracinha, outros copos e uma garrafa Pet largados nos canteiros. Em frente a uma oficina, vejo o mecânico jogando uns três ou quatro pneus na calçada, e lá ficam juntos com outros que ele deixou lá há mais de uma semana.

Eu, reclamar? Nem morto! Ele que cuide da oficina dele, a vida é dele, e não minha. Se aparecer mosquito por ali, o problema é dele; o culpado é ele.

E tranquilamente sigo meu caminho, sem me preocupar com nada. Afinal, por que o poder público não se posiciona a respeito? Sei que também pertenço ao público, mas… e daí? O mosquito não vai me pegar mesmo!

E assim me misturo aos milhares de brasileiros que têm o mesmo pensamento medíocre que eu – achar que o poder público deve resolver tudo sozinho.

– Enfermeira, me traga mais uma folha de papel, por favor.

Ainda bem que adoro escrever, senão eu já estaria louco neste hospital cheio de muriçocas. Já não aguento mais essa sopa horrível, e minhas veias já estão todas furadas de tanto eu tomar soro.

 

João Rodrigues

 

Crédito da Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/mosquito-mal%c3%a1ria-mordida-inseto-1548975/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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