Valdeci Santana

Muro de pedras

Muro de Pedras

Muro de pedra circunda minha morada.

Barricada pontiaguda que lança forte artilharia em quem vem lá.

Ergui meu próprio muro, minha própria divisa, pois, não suportava mais ver as tantas pedras espalhadas pelo meu jardim. Por mais que eu me esforçasse para mantê-lo verde, mas, ele se tingia do cinza-amarronzado das pedras que eu mesmo atirava. Sobrepus todas estas pedras, umas sobre as outras, aniquilando qualquer fresta pela qual se atrevesse penetrar os raios vizinhos, sem me importar se estaria soterrando a mim mesmo. Grandes, pequenas, roliças, modeladas e disformes. Cada uma daquelas pedras foi útil para afugentar alguém. De algumas delas, eu nem lembrava mais, pois, foram lançadas no calor de impulsos, mas, imagino que tenha ferido gravemente a quem atingira.

Algumas pedras exibiam respingos de sangue, outras entumecidas de lágrimas que não secam nunca, e que rolaram dos olhos de quem eu machuquei.

Um gigantesco muro protetor. Sobre a qual reina o estandarte da frustação.

Ledo engano!

Ao invés de proteger-me das pessoas que eu responsabilizei por me fazerem atirar pedras, hoje sepulta minha alma, num involucro cinza e frio.

Desnorteado, enclausurado em minhas angustias acabo por descobrir, que construir aquele muro foi estupidez. Poderia ter dado um préstimo melhor àquelas pedras. Afinal, percebo que deixar de atirá-las definitivamente é quase impossível. Quando muito, somos capazes de abrandar a ofensiva, ou descriminar melhor o alvo. Pelo menos é o que se acontece quando se é um humano ridículo e pequeno.

Atirei tantas pedras, pensando que assim estaria selecionando as melhores pessoas para meu redor, aquelas que “mereciam” minha companhia. E não percebi que, por fim, aquelas pedras se tornariam minhas companheiras.

Cheguei até pensar que havia construído meu próprio mundo, habitado somente por minha “perfeição”. Meu castelo. Patético eu sou! Pois, o verdadeiro rei é aquele capaz de governar sua própria instabilidade. E cá entre nós, sou rebelde demais para curvar-me ante um rei, ainda mais quando o rei sou eu mesmo.

Viver comigo mesmo, nesta morada cercada por pedras é uma chatice!

E eu que acreditava que aquelas pessoas que alvejei com minhas pedras, não merecessem minha companhia. Hoje penso que lhes fiz um favor!

Aflito, dissipando em lágrimas, começo a retirar pedra por pedra. São pesadas, tão ásperas que além de lacerar minhas mãos, rasgam minha alma. Está escuro demais para que eu encontre a mim mesmo aqui, frio demais para que minha alma possa se aquecer. O idiota de outrora me ensinaria muita coisa agora. Os insuportáveis seriam companhias agradáveis agora que estou sozinho. Os mesquinhos, talvez tivesse piedade da pequenice. As pessoas que não me mereciam, talvez, aceitassem minha presença.

Estou decidido! Derrubarei este muro e me tornarei vulnerável novamente. Meu mundo “seguro” e solitário não tem a menor graça. Quero ser machucado, para aprender a me curar, quero magoar para aprender a me desculpar. Quero errar para aprender. Quero ser imperfeito!

Que venham ofensivas dos fronts vizinhos. Hoje compreendo que eles são cegos, e não enxergam que a pedra que atiram, tende a pousar em seu próprio jardim.

Novamente estou a ajustar as pedras, tentando dar a elas alguma finalidade. Construirei uma ponte.

Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pedra-da-parede-marrom-266643/

 

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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