Ezequiel Alcantara

Um Assento Luxuoso

Um Assento Luxuoso

 

Era uma manhã de domingo. Meu rosto estava amassado, trazendo as marcas de uma noite mal dormida. Tomei café. Após arrumar tudo, parti. Saí bem apressado rumo ao aeroporto, pois precisava chegar a tempo de fazer o bendito “Check-in” e pegar meu voo com tranquilidade. Estava bem acompanhado. Minha mãe e minha namorada não podiam deixar de me fazerem boa companhia até lá e me desejarem uma boa viagem, entre aqueles abraços e olhos cheios d’água, que o carinho amoroso pode nos proporcionar – primeira vez que eu viajaria sozinho de avião. Pois bem, despedimo-nos. “Mande mensagem quando chegar lá! Beijos, deus lhe acompanhe…”. Bagagem despachada. Tudo certo para embarcar. Entrei, fiquei a procura do meu assento, esperando, com minha santa paciência, os outros passageiros liberem o estreito corredor para que eu pudesse passar. A demora era tamanha que qualquer um poderia ficar irritado, mas fiquei bem tranquilo por sinal. Percebi, prontamente, que apenas os “Vips”, alegres e despreocupados, que entraram com toda a comodidade. Enfim, guardei minha mochila, sentei. Um assento luxuoso, na última fileira do avião, do lado do corredor, pertinho do banheiro da aeronave. 

Naquele momento, ouviu-se a voz anasalada do piloto nos informando: “Atenção, senhores passageiros: iniciaremos nosso processo de decolagem. Coloquem seus cintos de segurança e guardem os seus pertences”. Obedeci as instruções. Decolamos. Após mais ou menos uns 30 minutos de subida, estabilizamos.  Assim, peguei o livro que levei para ler: Lira dos Vinte Anos! Ah… conssonância de minha idade!

Mas antes de abrir o livro, resolvi prestar atenção nos colegas ao meu redor: Do meu lado direito, havia uma moça bonita, tão meiga e bem arrumada, com uma cara simpática de quem chupou limão com sal e ainda colocou cobertura de pimenta. Nem me arrisquei cumprimentá-la, provavelmente eu levaria um soco por nenhum motivo; Nos bancos a minha frente, um casal de idosos. Era um senhor bem humorado, que não se calava nem um instante, cantando e falando alto, pois trocava ideia com um conhecido que estava umas 5 ou 6 fileiras a sua frente. Já a senhora, creio que esposa desse bom senhor, enrolada em seus casacos, só parava de tossir de 2 em 2 minutos, e ao final da tosse ela soltava aquela sinfonia agradável aos ouvidos, angelical, do som gostoso do catarro seco preso no peito, querendo sair e ficando ali mesmo pela garganta; Ao mesmo tempo, nos assentos do outro lado do corredor, tinham diversos casais, a maioria deles com crianças pequenas ou bêbes. Aaah… criaturinhas bonitinhas, anjinhos adoráveis!… que só paravam de chorar e decantar seus berros agoniantes quando eu colocava meus fones de ouvido, dava um play no System of a Down e colocava no volume máximo. E assim, finalmente, pude ler meu livro com muita tranquilidade.

Fui na página onde parei, retirei o marcador e mergulhei naquele incrível mundo da poesia de meu poeta favorito, Álvares de Azevedo. Plano certeiro, pois seriam 3 horas e meia de viagem aproximadamente. Nem deu para notar o tempo passar por estar ébrio em minha leitura. Fiquei tão envolvido em um poema que, calmamente, nem dava mais atenção aos meus simpáticos parceiros de voo. Estava tão nas nuvens, literalmente, que mal notei o movimento entranho dos comissários. Apenas tirei um dos fones para tentar ouvir alguma coisa importante. Nisto um informe, naquela voz serena, arrastada e fanhosa do piloto, veio nos alertando: “Atenção senhores passageiros: devo pedir que apertem seus cintos de segurança. Estaremos passando por uma zona de instabilidade, e teremos muita turbulência. Peço que fiquem sentados, e evitem andar pelo corredor, tudo pela sua segurança”. Despois ele repetiu aquilo tudo embolado outra vez, acho que parecia ser em inglês. Bem, fiquei angustiado. Nunca tinha passado por aquilo ou ouvido um piloto falar aquele aviso. Apenas nos filmes. Não demorou muito e o avião começou a balançar forte. Tentei me acalmar e voltei a ler o livro. De imediato fiquei pálido quando prestei mais atenção ao que estava lendo… um poema chamado “O Pastor Moribundo”, e me dizia justo o verso: “A existência dolorida/Cansa em meu peito: eu bem sei/Que morrerei!”. Ora, mas que palavras motivadoras para aquele momento, não é mesmo?!

Meu coração gelou. Supesticioso, benzi-me. Sinal da Cruz. Respirei fundo. Fui me acalmando aos poucos. O perigo passou. Já era próximo do meio dia e eu estava faminto. Comecei a sentir um cheiro de comida deliciosa vindo da cabine dos comissários de bordo. Fiquei muito animado! Pensei: “Será que vão servir galinha cozida? Ou será um lanche com frango temperado?”. A imaginação corria solta e chegava a me dar água na boca! Esperei ansiosamente. Esperei. Passou uma comissária. Esperancei-me. Esperei. Olhava para o começo e o fim do corredor. Esperei… E nada da comida chegar. Vi apenas alguns tripulantes sinalizando para a aeromoça e recebendo um copinho d’água mineral. Ah… o que resultou, sem dúvidas, num vai e vem de pessoas rumo ao banheiro. E que beleza!!! Bem atrás de mim ele se encontrava…

A todo momento era aquela música sem igual do barulho da descarga no meu ouvido. E o melhor! Era aquele odor inebriante de ervas campestres e flores da primavera ao abrirem e fecharem aquela porta. Além de um certo cheiro de perfume, talvez francês – acho que da região sul daquele país… só sei que era um odor apaixonante de toque peculiar, uma fragrância inspiradora de urina e gases estomacais, que impregnavam de vez em quando o meu prazeroso assento. Ora, era um luxo dos grandes todos aqueles ritmos de descarga, o barulho das pancadas do abrir e fechar de portas, mesclado aos divinais aromas tão peculiares. 

O tempo passou e começamos o processo de descida. A pressão nos meus ouvidos causava enorme dor de cabeça e me deixava muito incomodado. As crianças choravam infinitamente mais escandalosas e barulhentas que antes. O casal de idosos cantavam e gritavam muito mais alto por causa desembarque próximo, com a tosse seca da velhinha que aumentava cada vez mais forte – parecendo um estouro de motor de carro… ou melhor, de catarro. E a moça ao meu lado? Continuava olhando fixamente, como ficou a viagem toda, para seu tablet, assistindo uma série… e totalmente irritada. Só que agora ela ajustava e desajustava o assento, pra frente e pra trás, de um lado pra outro, insistentemente, mexendo e incomodando, fortemente, o meu infer… o meu maravilhoso assento! Mas deixei quieto, não dei importância e nem quis causar incômodo àquela doce e meiga donzela, pois ela continuava com aquela feição angelical, divinamente pura, de seu rosto avermelhado pulsando e exalando o mais puro ódio…

Finalmente, pousamos. O informe anasalado do comandante anunciava: “Bem-vindos, senhores passageiros, a Fortaleza, Ceará! O clima está ótimo e chegamos antes do horário previsto”. ‘Que notícia boa! Terei bastante tempo de sobra’… pensei. Porém, para a minha grande sorte, devido a pandemia, só podia descer uma fileira de passageiros por vez. Os “vips” saíram pomposos. E eu, é claro, melhor ainda! No assento ideal, o mais luxuoso, no fim da aeronave, o último a sair. E na porta de saída, com todo o carinho e atenção pela minha pessoa, os comissários ainda me deram um biscoitinho seco, o qual nenhum dos outros passageiros quiseram receber.

Ezequiel Alcântara Soares

Texto inspirado em minha viagem ao Ceará ocorrida em 10 de outubro de 2020.

_______________________________

Fonte da Imagem:

https://pixabay.com/pt/photos/arvores-bosques-outono-n%C3%A9voa-1225983/https://pixabay.com/pt/photos/passageiro-passageiro-de-avi%c3%a3o-362169/

__________________________________________________
Gostou? Então, siga e compartilhe nossas redes sociais.

Instagram:  @ezequiel_alcantara28
Facebook: facebook.com/ezequiel.alcantara.142

Mostrar mais

Ezequiel Alcantara

Olá, sejam todos bem vindos ao meu recanto poético! Me chamo Ezequiel Alcântara Soares, nasci em 28 de Julho de 2000 na cidade de Reriutaba no Ceará, onde me criei e vivi na comunidade de Riacho das Flores até o dia em que tive que deixar meu "torrão natal" e viver em São Gonçalo - RJ. Bem, sou apenas um ser humano, que foi se construindo ao longo do tempo, assim como uma colcha de retalhos, formado por luzes e trevas. Desde criança brilho o olhar pela poesia e pela escrita, com muito amor e carinho, o que resultou em cordéis publicados, participação em antologias poéticas e diversos escritos. Faço graduação em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e sou membro da União Brasileira de Trovadores (UBT) seção São Gonçalo. Este recanto visa apresentar poesias e textos que inspirem, através de minha poética, o mais nobre que há nos sentimentos humanos e que transcrevam, sutilmente, as estações do coração. Aproveitem! Que possamos amar profundamente, sejamos poesia!

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Um belo texto que ouso chamar de um grandioso conto. Uma viagem, um marco histórico em sua vida , nos presenteando com uma linda história. O tempo e o espaço bem definidos . Sem dúvida, um belo registro. Parabéns!

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo