Valdeci Santana

 

O passageiro.

Sou passageiro!

Inquieto em minha poltrona, eu sigo viagem.

Inconformado, tentando desesperadamente meios para torna-la mais confortável. E nunca satisfeito.

Olho pela janela e vejo momentos correndo rapidamente, ficando para trás, até que se tornam simples vultos, esquecidos entre os tantos momentos de minha memória.

Sou passageiro.

Muitas vezes ingênuo demais, para crer que estou ao volante, no comando das ações, decidindo as direções.

Ledo engano!

Sou simples passageiro, assim como os demais passageiros a minha volta. Nem mais, nem menos. Quando muito, sou capaz de mudar de poltrona, exatamente como eles. E isso, queremos sempre quero. Sempre em busca de maior conforto, acreditando que a poltrona vizinha é sempre mais confortável, até entender que são todas iguais, o que muda é quem as ocupa.

Tenho medo, quando descubro que não tenho o menor controle do veículo. É quando consigo observar os demais passageiros. Todos buscando desesperadamente as primeiras poltronas, acreditando que a felicidade esteja lá na frente, não se importando com os meios que são necessários para atingir as primeiras fileiras e de lá, conduzir a viagem.

Tem sempre aquele passageiro deprimido que se recusa a olhar pela janela. Para este, os cenários de momentos que se apresentam, não passam de um borrão sem qualquer graça. Há sempre aquele passageiro feliz, que aprecia cada momento da viagem, por mais simples que possa parecer. Tem aquele passageiro recluso em seu próprio mundo, evitando aproximações. Tem aquele passageiro forte, que se segura firme quando surgem obstáculos. Outros tão frágeis que se dissolvem ao menor desvio de curso. Tem passageiro que afirma ser representante do condutor. E tem aquele que culpa o condutor pelas sujeiras que apareceram em sua poltrona. Tem passageiro que reclama da viagem o tempo todo, como se quisesse que ela acabasse logo. Outros querem que o condutor vá mais de vagar, para que possam apreciar melhor a vista.

Às vezes, tenho pena do condutor. Não sei como ele suporta tantas lamúrias. Deve amar muito sua profissão, ou, deve amar muito seus passageiros.

O bom desta viagem é poder dividi-la com alguém. Conhecemos tanta gente ao longo destes momentos. Alguns ocupam o assento ao lado, de maneira tão discreta que quase não deixam saudade. Outros são misteriosos e te intrigam. Alguns são maldosos e você não vê a hora de se afastar. Outros são tão especiais, que você não consegue imaginar uma viagem sem aquela companhia. Dão-nos força quando o medo vem e coragem nos momentos difíceis. Fazem-nos sorrir nas coisas simples, nos amam.

Daqui, da minha discreta poltrona, não vejo o condutor, mas, desconfio que ele esteja sempre me vigiando. Sinto sua proteção. Por mais confuso que sejam os caminhos que ele escolha, parecem que são exatamente para que nossa viagem seja perfeita. Não sei exatamente o que sinto em relação ao condutor. Mas, sei que me sinto bem em saber que é ele quem está no comando e não eu.

Sou passageiro.

Mesquinho demais, apegado às malas que levo e que vou adquirindo ao longo da viagem. Um dia descerei, e meus objetos pertencerão a outros passageiros. As pessoas que me amam amarão outro passageiro. A poltrona para a qual busco mais conforto será de outro passageiro.

Percebo uma sutil freada, a porta se abre e sei que é minha vez de descer. Ninguém me diz. Eu sinto. Não quero ir, pois, tenho medo. Os outros passageiros acenam saudosos. Sou passageiro. Não comando a viagem. Nem o inicio, o meio ou o fim.

Boa viagem aos que seguem…

Fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/fotografia-com-lapso-de-tempo-de-pessoas-dentro-do-trem-branco-e-preto-3229624/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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