Valdeci Santana

Palavras…

Eu sou palavra!

Muitas vezes precedido por vírgulas, noutras subsistindo nas reticências, ou, simplesmente morrendo no ponto final.

Sou palavra que desfila nas páginas de livros, pincelada pela mão do artista. Estou nos anúncios de jornais, nas tragédias Sheakespearianas e nos roteiros da vida real. Estou na mesa de um bar, desfilando embebecido entre cinzeiros entupidos de bitucas.

Eu estava nos lábios do Führer, quando este declarou guerra ao mundo. E no coro uníssono dos nazistas que idolatravam seu nome. Também estava nos discursos sensatos de Mandela, convocando seu povo ao igualitarismo e justiça. Eu estava nos sussurros conspirados nas tabernas francesas, durante a guerra dos cem anos. Fui proferido na sentença que queimou Joana D’arc. Eu estava na voz que testou o amor paterno de Abrão enquanto este levava seu filho à montanha.

E sou palavra! Sou atemporal! Há anos eu aproximo e afasto pessoas. Eu estou na Torá, nos antigos papiros, na bíblia e no Alcorão, mas, também estou nos folhetins antissemitas que se desmancham nos postes e no erotismo das narrativas de Marquês de Sade. Estou na heresia e na oração.

Eu redigi o grito da independência nos lábios de um imperador abatido por desconfortos intestinais. Estou nos hinos de declaração de amor a pátria e na voz que mandou queimar Roma.

Eu sou a palavra que se derreteu nas longas Juras de Páris, assim como estive nos rompantes de fúria de Menelau. Eu estava na descrição de Capitu, em seus olhos de ressaca. Assim como estive nos poemas recitados por Romeu à janela de sua Capuleto. Eu falei da menina de Ipanema, da Amélia que era mulher de verdade e até do cristo redentor.

Eu estava guardada no silêncio profundo dos monges tibetano. Perdendo o valor nas ações do congresso. Eu fui a paixão de Sócrates que preferiu morrer envenenado a ter a língua cortada. Eu renasci na esperança de Ghandi.  Eu votei favorável a libertação de Barrabás.

Eu estava no ultimo desejo daqueles que ainda conseguiam balbuciar nos campos de batalha. Eu estou nos cochichos do adultério. Estou no estatuto do Ira, nas reuniões secretas do Iluminatis e nas mórbidas canções da morte nos navios tumbeiros.

Eu sou onipresente! Sou o conforto e o desalento. Sou a granada nas mãos de quem vocifera guerra, e a utopia de quem tenta evitá-la.

Eu sou o comentário desnecessário, o desdém leviano, o agouro, o presságio e a ideia salvadora.

Eu sou palavra que possui diversos nomes e sobrenomes, proferido das mais diversas formas e entonações. Eu estou em tudo! Abreviado ou não. No inicio e no fim da página. Estou em você. Aliás, eu sou você e viverei, mesmo depois que você se for.

Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/rabiscos-na-parede-1309899/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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