16 horas de escritaOswaldo Eurico Rodrigues

É precisa a resposta?

É precisa a resposta?

 

Será que crise existe? Não seria nossa vida uma sucessão de arranjos ora favoráveis, ora desfavoráveis a nós, esse corpo sem face, amorfo, fluido, disperso? De onde ela vem? Para onde vai? Ou pairou invisível cinzenta ou colorida em dias de qualquer tempo? Individual, conjugal, social ela está, ela é. Será? Uma vez, ouvi uma jovem adulta perguntar a um jovem senhor mais velho do que ela como era entrar na casa dos quarenta. Hoje ela está com mais de sessenta anos. Sei disso porque, quando ela fez a pergunta, eu era ainda criança por volta dos dez ou doze anos. Ela tinha vinte e poucos. Hoje já passei de meio século com dúvidas frescas cheias de poeira de priscas eras. São reedições pueris, rebeldias tardias e adeuses antecipados de quem não vai embora. A resposta que ela obteve foi uma brincadeira (saída encontrada para uma falta de reflexão ou não desejo de se compartilhar uma percepção). Onde fica a casa dos quarenta? E as outras casas são de quem? Riu-se. A resposta até hoje, cerca de quatro décadas depois, não foi dada. Passei dessa fase há onze anos mais quase seis meses, pois escrevo no dia 1º de março das águas passadas numa noite tórrida ao som de Vivaldi. Já se foi a primavera! O verão também… O outono já se anuncia. Para mim, já chegou. Espero seja longo, colorido e ameno. O inverno virá, embora eu me incumba de soprá-lo para bem longe. Por aqui, a última estação é, na realidade uma pequena trégua do calor de sempre. Pode-se andar livremente pelas ruas sem neve, sem geada. No céu, as auroras são pela manhã. Austrais! Claras, límpidas… Um arremedo de frio pode vir no final da tarde e nos fazer acreditar na sua existência pelas madrugadas debaixo de edredons.

E os sonhos vêm… Momentos de horrores e prazeres, trevas e luz. Tragédia anunciada e comédia inusitada. Drama! O teatro nosso de cada noite na plateia única do ser. A sinfonia continua… Eu acordado estou.  O sono é necessário, mas não posso dormir. Interrompi o texto por várias horas. Saí da cidade urgentemente e retornei neste momento de dedos ágeis, mas cabeça cambaleante. É outra a crise que tenho agora. É a de consciência! Ela surgiu porque dei vazão a crise de criação. Contradisse o meu discurso e falei para mim mesmo: “Não tenho condições de produzir nada. Estou cansado. Preciso dormir. Preciso fazer tanta coisa e o texto não vem.” Pura indisciplina. Agora, não há jeito. Preciso terminar. Penso ser viciado em adrenalina das últimas horas. Esse frio na espinha, esse nó na garganta e nervosismo dos prazos a se encerrarem e o fechamento das portas das oportunidades quase e nos dar na cara. Essa sensação de “Ufa! Consegui!” causa dependência. Transforma-se em cachaça! Ou coisa pior! Amanhã, ou seja, daqui a pouco, deverei estar firme e forte no trabalho. Meu semblante deverá transparecer vigor, alegria e disposição. Vou buscá-los nos travesseiros ou, quem sabe, numa alegria entre lençóis?

O feriado acabou. Voltei queimado de sol para a realidade nossa de cada dia. Voltei para o momento da administração das relações e dos conflitos. As idades, as classes, os gostos… Vamos em frente sem sofreguidão, porém, quase sempre sôfregos. Vivemos tempos de ansiedade nas alturas. Cada um tem de encontrar um jeito de sair dela antes que a depressão tome conta. Se chegar a esse ponto, todas as crises se abaterão sobre os únicos que somos e, em efeito dominó, vamos caindo um a um. Retorno ao começo do texto. A crise existe. As crises existem. Se transformam e se adaptam ao complexo e insustentável direito de ser humano. Andamos sobre areia movediça e terrenos instáveis deslizantes das montanhas ao redor. Eu falei do chão, lugar de manter os pés. Imagina como estão as nuvens! Carregadas de torrentes ácidas de chuva. Disparando granizo como balas de metralhadora. E os ventos? Sopram desaforos e lamúrias vindas não se sabe de qual ponto cardeal. Os efeitos colaterais são certos. Nessa confusão de certezas cambaleantes, de verdades relativas, vamos cada um se quebrando e refazendo a cada instante num quebra-cabeças de imagens craqueladas. Fragmentos colidem e pairam na superfície das coisas. Assuntos escapolem da tensão e se volatizam na atmosfera. Algum satélite seria capaz de capturar? Provavelmente alguém fez um registro e postou nas redes sociais. Estamos salvos do não existir. Estamos virtualmente vivos. Acessíveis de longe e impossíveis de aconchego. Isso gera combustível para mais um terabyte de textos igualmente distantes de você no espaço e no tempo daqui algum tempo. Talvez muito mais próximo do que imaginamos, bem junto ao terreno insondável do existir solitário e universal.

Resta-me a despedida. Minhas costas estão doendo e irão doer ainda mais amanhã de tarde ou à noite. Vou castigá-las nos equipamentos do ginásio. Elas aprendem a sustentar o peso através da dor. Preciso carregar muita coisa insustentavelmente leve e invisível, mas desgastante. Os ombros precisam estar fortes. As pernas também. São elas a me conduzirem diretamente até a terra onde tudo é possível. É aí que eu te encontro, leitor, e resolvemos nossas crises e as dos outros também. Afinal de contas, eu sei da sua capacidade de resolver a vida alheia. Também faço parte desse time gigantesco e fascinante chamado Humanidade.

 

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6 Comentários

  1. Que texto maravilhoso, Oswaldo! Parece que vc ouvia a minha alma calada e gritando por socorro!
    Parabéns!!!

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