Carina Lessa

Corpo Fronteiriço

Encontrei uma moça na rua.

Hoje, acordou com uma sensação de tranquilidade esquisita: o abandono do controle e da sensação de espera. Não sei exatamente do quê.

Eram 6:15.

A sequência de surpresa segue sobre o rompante inesperado do besouro na cama, que a inquietava. A personagem lembra da criança que na solidão adorava brincar com besouros. O da cama estava morto.

Inquieta-se, mas aceita o caminho.

Desapego às coisas sãs.

Sensação histórica ou pessoal?

(Há aqui alguma narrativa anterior, olhar do cronista?)

O corpo daquela mulher era disputado como um grande campo de terras num tabuleiro qualquer, como sempre, a disputa pelo poder. O planalto, entalhado por vales, valia a cena de todos os séculos da humanidade, a ferocidade era certa altivez acima dos limites do mar. O corpo fronteiriço, ignorante da biologia, que lhe impingia um comportamento resiliente, inventava um suéter  útil no qual a lã a servia de espada. Um combatente de todas as guerras que o homem precisava enfrentar.

Ela não terminou,

Também não começou.

Imagino que esteja cansado. Além disso, a verdade é que não sei escrever versos. Caminho por narrativas tortas, como uma irmã para quem o ouvido só serve de imaginação aos seres desvalidos.

MAS

Quem me dera ser importante para uma flor,

Escorreria chuva faceira, petulante,

Com sorriso de dor. A nuvem cambaleante

Desfaleceria um pesadelo furta-cor.

 

Engano:

A primavera me gasta com o seu passamento.

 

Fonte da imagem: https://burst.shopify.com/photos/musical-and-rustic-domestic-objects-inside-a-caravan?q=musical-and-rustic-domestic-objects-inside-a-caravan.

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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