Valdeci Santana

Casa de vó

CASA DE VÓ.

Casa de vó não tem luxo, mas, é o melhor lugar do mundo. Por menor que seja, há sempre lugar para mais um.

Em casa de vó não precisa de convite. A qualquer hora o café fresco é servido na melhor porcelana. E tem sempre alguma quitanda pra adoçar a boca da criançada.

Em casa de vó, os ponteiros do relógio descansam, ainda que o tempo seja para ela, um adversário impiedoso.

Em casa de vó não existem móveis ou ferramentas, tudo vira brinquedo. Sofá vira pula-pula, mesa vira barco, guarda-roupas um bom esconderijo.

Em casa de vó, a criançada suja os pés no quintal e corre pela cerâmica limpa, saltando sobre os tapetes de crochê. E se a mãe ameaça castigo, ela, tal qual uma destemida advogada, abraça aquela causa e quase sempre, a sentença sai favorável.

Em casa de vó não há espaço para fome. E se a criançada prometer guardar segredo, até conseguem algum doce antes das refeições.

Em casa de vó não existe não. O sim predomina. E sempre tem cadeiras espalhadas em toda parte, para socorrer as pernas de quem chega. Casa de vó sempre espera visita.

Na casa de vó as flores desabrocham com mais vida nos canteiros.

Dormir em casa de vó é sempre mágico. O sono nunca demora. Parece que a roupa de cama foi guardada especialmente para a gente.  Tudo é macio em casa de vó. E se alguma coisa não lhe agrada, com um mimo ela resolve a questão.

Em casa de vó tem fotos da família em toda parte. Não tem remédio amargo e qualquer choro se resolve com colo.

Estar em casa de vó é tão mágico, que nem passa por nossas cabeças, a ideia de que um dia, ela há de partir. Ainda que seus cabelos brancos tentassem nos avisar a todo o momento. Ainda que sua pele amassada anunciasse que seu fim estaria próximo. Para nós, uma avó nunca é tão velha, aliás, é exatamente naquelas rugas, naquele caminhar lento que está o seu charme.

Mas, um dia acaba.  E as cadeiras ficarão esquecidas, pois, é bem possível que a família não terá mais ânimo de se reunir em volta da mesa. Os moveis não serão nada mais que quinquilharias, amontoadas e esquecidas num cômodo qualquer. As flores morrerão nos canteiros e é bem certo que as portas daquela casa se fecharão para sempre.

E talvez, num dia qualquer, numa fotografia, num bolinho de chuva, ou mesmo no aroma de um café recém-coado, lhe venha à lembrança, e uma onda de saudade lhe inundará o ser. E neste triste momento, você se dará conta de que sua avó é mais do que um tesouro, é um baú inteiro que guarda os resquícios de sua infância. E que sua partida, levou a criança que um você foi…

fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/mulher-sorridente-cobrindo-criancas-etnicas-com-cobertor-5693066/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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