Ze Arnaldo

De tudo um pouco

Subi no ônibus junto com estudantes de uma escola pública. Dirigi-me a um dos bancos vagos, na janela, e duas das colegiais instalaram-se ruidosamente nos assentos bem atrás de mim. Tirei da mochila o livro que estava lendo, razão pela qual, aliás, eu estava usando um transporte coletivo, apesar de ter carro e de saber dirigir: no ônibus, no metrô, na barca, no trem tenho tempo de ler.

Abri o capítulo em que parara a leitura, mas não consegui seguir adiante. Os olhos colhiam as palavras no papel, mas os significados delas não vinham junto. Os ouvidos, mais ligeiros, enviavam ao cérebro as que laçava da conversa das adolescentes atrás de mim. Elas falavam sobre suas preferências.

– Não consigo gostar de Biologia!

– Eu adoro andar descalça!

– Amo tênis de cano alto!

– Odeio filme de terror!

O adolescente que fui pulava dentro de mim, querendo saltar para o banco de trás. “Eu também não gostava, gostava mais de literatura.” ”O meu tênis favorito era o ki chute!” 

Desse jeito, não podia continuar com o romance. Fechei o livro e silenciei o menino aqui dentro, que tagarelava, aflito, em voz alta, as suas preferências: fiquei a ouvir as delas.

– Música pra mim é em inglês!

– Novela sem vilão não presta!

– Marvel!

– DC!

– Adoro praia!

– Eu prefiro piscina!

Elas desfiavam seus gostos por tudo – moda, música, cinema, TV, culinária.

– Não tem igual ao do Bob’s!

– Batata frita é a do Méqui!

A conversa ia boa e animada, mas foi abruptamente interrompida, quando as duas, saltitantes, levantaram-se, instantâneas, assim que o ônibus virou uma esquina.

Eu ainda as ouvi por uns segundos, lá atrás, antes de descerem, mas suas vozes, misturadas aos ruídos do coletivo já não me chegavam tão nítidas.

Vi-as na calçada, andando de costas para trás, até sumirem, e me peguei pensando: de onde vêm os gostos, como fazemos nossas escolhas? Por que, afinal, torço por um time e não por qualquer um dos outros? Por que não gostava de matemática, por que não fui roqueiro, qual a razão de gostar tanto de carnaval? Por que essa moça e não aquela? 

Por que azul? Por que cerveja? Por que não vinho? Por que camélias? Por que massa? Em que momento da vida passei a odiar filme americano? Por que me tomei de amores, assim, de repente, pelo Egito Antigo? O que me levou a gostar tanto de café? O que tinha no rosto da Elizabeth Sue que me deixava desconcertado quando ela me olhava lá do alto da tela no cinema?

Hoje, aos sessenta, ainda não tenho resposta para muitas dessas indagações que surgiram a partir das certezas daquelas meninas de, sei lá, quinze anos? Mas sei que essas escolhas estão no cimento que me manteve em pé até aqui. Eu as carregarei como cruzes, algumas, como troféus, outras, pela vida inteira. Porque elas dizem muito sobre quem sou.

Link da imagem: https://pixabay.com/pt/vectors/lendo-atividade-%C3%B4nibus-ficar-1718985/

 

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