Valdeci Santana

O trem

 

O trem

Resignado, aguardo o trem que se aproxima. Reflito a vida enquanto seu silvo estrondoso de súbito sacode minha alma.

La vem! Com sua silhueta metálica cortando as veredas, de cujo verde sentirei saudades. Seu coração de aço, que já presenciou tantas despedidas, não se comove com os lenços que tremulam ante a dor da despedida. Vem trazendo a poeira das terras distantes que visitou e que nunca conheci. Vem trazendo o agrado e desagrado de quem viajou.

Nos vagos trilhos que o vento frio visita, eu permito trafegar o pensamento de encontro àqueles que amo, e que hoje deixo. Assim como o trem que, brevemente, recolherá meu corpo cansado no conforto de seu estofado, trato de colher as lembranças dos risos que presenciei, pois, quando a saudade se tornar mais aguda, será através deles que reviverei momentos.

Estou por retornar à minha terra natal, exatamente nas mesmas condições que a deixei, sem malas, sem expectativas e com uma vontade imensa de viver. Levo a saudade da minha Maria, cujo M na palma da mão, faz pensar que um dia nos encontraremos, e nossas almas talvez se entrelacem, sem as correntes que tanto privaram nossa liberdade plena.

Deixo aqui na estação, o perdão aos desafetos e o arrependimento, por levantar bandeiras tão hostis, em terras propicias a se semear a paz.

Chega o trem ao som do derradeiro badalar das horas. Sem atrasos. Cordial com a angustia de quem aguarda. É quando as pernas fraquejam, e num ultimo e misericordioso gesto, olho para trás.

O trem que anda em circulo por estes longos trilhos que parecem retos, mas, são retos coisa nenhuma, voltam sempre à mesma estação, onde deixa quem chega, para a alegria da recepção, e leva quem parte, para a tristeza de quem fica.

O trem atemporal ondula por azuladas paisagens celestiais, com montes tão aveludados e vales tão esplendorosos, que fazem da natureza, um simples e diminuto esboço de toda a criação divina.

Ajustado, em conluio com as horas, o trem se despede, e assim também o faço. E maquinalmente, tais quais os ponteiros que andam em círculos sobre as horas, o trem segue.

 

Fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/trem-preto-no-trilho-e-exibindo-fumaca-72594/

 

 

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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