Cristiano Fretta

Cinco escritores com quem eu gostaria de conversar. Parte III – Graciliano Ramos.

Graciliano Ramos 

Meu encontro com Graciliano demandaria um local mais burocrático e comedido. Por isso talvez ele tivesse que acontecer em algum dia de semana à noite, para ter certeza de que não seríamos incomodados pela presença de muitas pessoas. Eu o convidaria por carta, com um estilo conciso e objetivo, o texto batido a máquina, com a data embaixo, nada de excessos. Ele me responderia com um “certo, estarei presente na data e horário especificados”. De fato, no dia e horário marcados eu veria, sentado à mesa, um carro preto parar em frente ao restaurante e dele, circunspecto dentro de seu indefectível terno, sair Graciliano Ramos.

O restaurante estaria em um clima meio noir, e o mestre de Quebrangulo falaria pouco ou quase nada sobre literatura enquanto bebericaria um caro cabernet. Na hora de pedirmos comida, ele, com ar de especialista, percorreria inúmeras vezes o cardápio do início ao fim, em uma indecisão que na verdade era perícia. Pediria pastéis. Eu buscaria alguma forma segura de relacionar a abundância de comida e bebida com a escassez de alimentos em Vidas Secas, mas não encontraria maneira segura de fazer a relação. Então, me calaria.

Mas de Paulo Honório ele gostaria de falar, ah como como gostaria! Falaria com uma espécie de ódio não sobre a construção do personagem, mas sim sobre a sua personalidade egoísta e tosca. Então, tudo nos levaria a um longo assunto sobre a ascensão da República Velha, e eu ficaria ali, olhando para ele e tomando vinho, enquanto Graciliano explicaria com todos os meandros possíveis uma realidade tão distante da minha. Ele comeria os seus pastéis dando pequenas mordidas, enquanto eu tentaria traçar relações com o caudilhismo gaúchos. Ele, interessado, diria que iria estudar mais sobre a formação do Rio Grande do Sul. Sem nos darmos conta, aos pequenos goles, mataríamos a nossa sede de vinho.

Muito tempo depois, surpreso eu receberia um afetuoso abraço daquele homem árido que, cabisbaixo e burocrático, sumiria no breu da noite, entrando misteriosamente em outro carro preto. Neste dia, tentando de forma ridícula imitar a família do vaqueiro Fabiano, eu voltaria a pé para casa, embora com o estômago cheio.

 

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/terra-seca-piso-secura-secou-3355931/

 

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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