Cristiano Fretta

Envelhecer

Gosto de olhar os aviões no céu para saber aonde não estou indo. É assim também com os pássaros: eles voam alto por sobre minha casa, um vai na frente e os outros o seguem formando uma seta viva. Gosto de saber que eu vou ficar aqui enquanto essas aves voam sabe-se lá para onde.

Por algum motivo, nos últimos tempos tenho perdido o ímpeto de ir longe: tenho preferido olhar para o céu e ver o rastro dos aviões a 10 mil metros de altura do que pensar em ir correndo atrás deles. E, se for para ir, que seja no conforto das coisas fáceis e das poltronas macias. Ar-condicionado ligado, pouca fila, banheiro limpo e roupa dobrada. Quero olhar de longe e não me sujar, usar escadas-rolantes e ver televisão com minha mulher e minha filha. Quero dormir cedo e acordar com vontade de começar a ler um livro novo.

E, quando o avião lá em cima passar, saber que o bom da viagem é poder voltar para regar as raízes. Talvez isso seja envelhecer.

 

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/lugares-perdidos-abandonado-quarto-597166/

Mostrar mais

Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo