Cristiano Fretta

O homem que não sabia discordar

Alberto era um homem que não sabia discordar. Ao longos dos seus 45 anos, poucas, para não dizer raríssimas, foram as vezes em que ele havia conseguido dizer um “não concordo” ou um “não é bem assim”. É por isso que todo mundo fazia o que queria com Alberto. A mulher o chamava de irresponsável após ele ter chegado 5 minutos depois do horário previsto do bar com os amigos, onde ele ia uma vez por mês. A filha adolescente dizia, “mas, pai, tu me prometeu comprar isso, comprar aquilo, lembra?”, e lá ia o Alberto comprar. O chefe, que lhe dava o trabalho em dobro, só pela certeza de que Alberto o faria com o maior afinco.

Além de não saber discordar, Alberto tinha mania de repetir as últimas palavras de seu interlocutor, quando era interpelado.

– Alberto, já são oito da noite, isso de chegar tarde em casa é coisa de homem que não tem família – dizia a mulher.

– Que não tem família – repetia ele.

No trabalho:

– Por favor, Alberto, sabe, se for possível fechar esses balancetes até amanhã, a concorrência é feroz – dizia o chefe.

– A concorrência é feroz – repetia ele.

A filha:

– Pai, não me enche o saco, eu já tô na idade de beber – dizia ele.

– A idade de beber – repetia ele.

Até que um dia, sem explicação aparente, Alberto começou a discordar de absolutamente qualquer coisa:

– Eu vou sair amanhã sim, e vou voltar a hora que eu quiser. – disse a mulher que, atônita, ficou petrificada.

– Filha minha não bebe, isso é coisa de filha do vizinho, não coisa de filha minha – e a filha ficou gritando “pai” porta à fora, sem resultado.

– Impossível fechar esse monte de balancete até amanhã, tu pensa que eu sou o quê, um computador ambulante? – e o chefe arregalou os olhos e balbuciou algumas palavras, atônito por completo.

Ninguém entendeu o que estava acontecendo. Aquele era um novo homem, totalmente diferente do Alberto pacato e obediente de antes. Ranzinza. Estúpido. Parou de fazer a barba e começou a tomar banho dia sim, dia não. A mulher, apavorada, ligou para o chefe, que confirmou sua atitude. Sentaram-se os três, Alberto, a mulher e a filha para conversar.

– Alberto, tu está diferente.

– Não concordo – disse ele, levantando-se e indo para o quarto.

E assim passaram-se dias e semanas. Até que Alberto não voltou para casa depois do trabalho. Ligaram, e o celular só dava caixa de mensagens. Apareceu em casa às seis da manhã, fedendo a cigarro, bebida e cheio de marcas de batom no rosto.

Quando entrou em casa, a mulher e a filha se levantaram e correram na sua direção. A mulher disse:

– Alberto, seu desgraçado, onde tu estava?

– Me divertindo.

– Nunca mais faça isso, ok?

– Ok.

– Você é um homem de família.

– De família.

– Sua família te ama.

– Não concordo.

– Vai agora mesmo tomar um banho.

– Não vou tomar banho.

Alberto foi para o chuveiro. Após 1h, surgiu novamente na sala. A mulher a filha ainda estava lá. Passou por elas sem dizer uma palavra. Abriu a porta da sala e saiu para nunca mais voltar.

 

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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