Gragoatá: uma história de fibra
Série: Histórias de Arariboia
O pescador da praia de Gragoatá é mesmo uma figura curiosa. Ele olha o horizonte por dois ou três segundos, morde uma das pontas da tarrafa, conta os chumbos do arrasto, finca os pés na areia com água até os joelhos. Mira o horizonte novamente, inspira forte a maresia niteroiense, faz o giro do corpo e lança a rede nas águas, exatamente onde a imaginação dele pensou haver cardume. Enquanto o filho insiste em admirar os movimentos de quem lhe provê sustento, sim, o pai e a rede, figuras importantes na criação daquele menino.
Nas encostas pedregosas do bairro niteroiense, onde as praias se alargam, um tipo de vegetação faz lembrar certas espécies de bromélias mais rústicas. Essas possuem folhas grossas, fibrosas em verde escuro e também em manchas de amarelo claro. Plantas pontudas tendo em mira o céu de brigadeiro e enraizadas nas fendas das rochas encontradas no sopé dos morros que circundam as encostas da praia. Contudo, o nome da planta é singular, acredite, tipo de “bromeliaceae” que herdou referência semelhante ao bairro em questão: Gragoatá. Isso mesmo, chamavam o tal vegetal grosso de gragoatá por causa da dureza e resistência das folhas. Impossível não tecer analogias com o pescador ali à minha frente. Coitado, na Praia de Gragoatá o mar não parecia bom.
Pois é, seria simples para o nosso personagem se a pesca acontecesse corretamente; igual ao planejado. Mas não, de jeito nenhum a natureza ajudou — e tudo por causa da imundície na Baía da Guanabara de que a população é responsável. Dessa vez o pescador não levaria para a casa os produtos dos seus esforços devido à poluição. Ele queria paratis ou sardinhas. Sim, peixes saborosos e pequenos, criaturas frequentes nas águas de Gragoatá. Enquanto o pai puxava a tarrafa, o garoto chegava correndo, feliz e equivocado, só pra ver quantos peixes poderiam ter caído na rede, “tadinho”.
— Papai, acho que agora o senhor pegou.
Ledo engano, caro leitor, pobres pescadores iludidos. Até eu achei que sim, talvez tivesse capturado algum punhado. Mas pegou nada, nadinha, “neca de pitibiriba”. Entre as malhas da rede eu observei outras coisas surreais: vi a Baía da Guanabara ofertar uma cabeça de boneca de plástico e um pequeno limão apodrecido que alguém lançara na maré três ou quatro dias atrás. Lixo mesmo, a marola carregou, poluição descarada. Realmente um absurdo, e o pescador ali reclamando da má sorte. Do forte de Gragoatá, espaço físico pertencente ao Exército Brasileiro, o soldado de plantão ria do insucesso do nosso personagem tarrafeiro. Sim, verdade, o militar sentinela em vez de vigiar a possível e fantasiosa invasão em águas nacionais, gargalhava da desventura dos dois sujeitos civis, pai e filho, na Praia de Gragoatá. Pois é, infelicidade dupla, nada me pareceu engraçado. Sentinela sem sentimentos aquele, soldado mais debochado — e desta vez os dois (pescador e aprendiz) retornariam ao lar sem as sardinhas ou paratis prometidos. Contudo, confesso, eu mesmo não consegui conter a curiosidade:
— Senhor, e agora, como faz se o mar não está pra peixe?
Bem, necessário reconhecer, em resposta tive que receber de chofre uma das lições mais importantes para a vida. Verdade, isso me fez pensar também numa comparação com a planta gragoatá. Se em tupi (caroá + tá) refere ao vegetal como planta de fibra resistente, a resposta do pescador serviria de metáfora e seria um dos maiores ensinamentos deixados ao filho que o observava. Exato, o homem demostrara fibra, resistência e firmeza na resposta.
— Olha, moço, gosto de trazer meu moleque pra pescar por causa disso. Ele precisa aprender também o que é “a derrota”. A vida não é feita só de sucessos. Treinar a decepção e preparar a criança pra vida adulta. Além do mais, eu e ele passamos longas horas juntos conversando sobre tudo. Conheci as vontades dele um pouco mais, vi o menino prestando atenção nos meus conselhos; ao menos parece que me ouviu durante a pesca. Nem sempre ele conseguirá aquilo que busca, a realidade não é doce como parece, algumas vezes mais salgada e traiçoeira que o mar.
Eis aí, uma das mais importantes lições para o futuro do garoto. Maturidade transmitida na simplicidade. Moral da história: assim como a fibra da planta Gragoatá (caroatá para os índios), o filho dos pescador adquiria ali na praia fortaleza e flexibilidade para a posteridade. As águas da vida nem sempre estarão para peixe, os anseios ganharão temperança, o mar de dentro precisará acima de tudo de paciência.
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