Erick Bernardes

O muro das lamentações, por Erick Bernardes

Waldemar precisava urgentemente que construíssem um muro no seu terreno, isso porque o gado da fazenda ao lado comia as mudas de árvores frutíferas que ele com tanto carinho cultivava. Foi então que decidiu comentar na redondeza:

_ Vou pegar um financiamento para dar um basta nesse prejuízo todo. Os bois já comeram as mudas de jaboticaba, acerola, abricó e tudo mais.

Um vizinho indicou um pedreiro que cobrava barato. Bem, nem era tanto um pedreiro assim, tampouco tinha profissão formal. Vendia brigadeiros que a esposa produzia semanalmente.

_ Seu Waldemar, eu não sou formado, mas sei levantar muro. Sou bom nisso, garanto.

Pois é, e foi assim que o problema começou. Infelizmente. No começo, a construção do alicerce chamou atenção. As sapatas das vigas indicavam desproporção de distância entre as colunas que, em seguida, foram levantadas. Sim, verdade, desproporcionalmente. Entre a primeira coluna e a segunda, a medição constava em torno de um metro apenas. Da segunda coluna para a esquerda, o espaço apontava mais de três metros de largura entre uma e outra. “Que absurdo”, pensou o vizinho que observava atento do parapeito do terraço. “Acho que vai dar errado”, comentou baixinho com o marido outra vizinha que via tudo do seu portão. Mas não falaram coisa alguma ao Waldemar, coitado, deviam ter-lhe comunicado.

O muro cresceu, e cresceu também o tamanho da burrada que o vendedor de brigadeiros fez. Linhas sinuosas, barrigas enormes nas laterais dos muros. O pior foi ver a alvenaria pronta, mas com um arco gigante no cume da parede. “Que absurdo”, comentavam entre si moradores da rua.

O filho do coitado do Waldemar chegou de viagem e se deparou com aquela aberração de construção.

_ Que isso, papai, é esse o muro que o senhor tanto queria? Tá horrível, tudo torto. Meu Deus!

O certo é que o rapaz não ia deixar seu pai na mão. Ofereceu mais dinheiro para, agora, derrubar e construir outro.

_ Dessa vez, contrate alguém competente, papai!

E lá se foi o agricultor azarado contratar um outro profissional, no intuito de ter em seu terreno um muro digno. Carecia que fosse logo. Já até sonhava com isso. Só assim que conseguiu um pedreiro mais experimentado.

_ Olha! Eu quero esses tijolos e colunas bem aprumados, só isso.

E assim a ordem foi atendida. Muro certinho, o problema é que este segundo pedreiro, em vez de retirar a mangueira seca que lançava suas enormes raízes na terra, contornou a base da planta que servia de obstáculo à obra. Isso mesmo, ele fez uma volta em torno da parte baixa do pé de manga e finalizou a o assentamento de tijolos desse jeito.

Em suma. Um fato sobremaneira esdrúxulo. Alegria pela metade: dois pedreiros de meia colher, aborrecimentos sem conta e muitas lamentações.

 

*Essa história me foi narrada pelo meu amigo professor José Euclides Montenegro. O nome do protagonista da vida real foi alterado.

Fonte da imagem: https://cdn.pixabay.com/photo/2014/09/04/08/07/wall-435372_640.png

 

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Erick Bernardes

A mesmice e a previsibilidade cotidiana estão na contramão do prazer de viver. Acredito que a rotina do homem moderno é a causadora do tédio. Por isso, sugiro que façamos algo novo sempre que pudermos: é bom surpreendermos alguém ou até presentearmos a nós mesmos com a atitude inesperada da leitura descompromissada. Importa (ao meu ver) sentirmos o gosto de “ser”; pormos uma pitadinha de sabor literário no tempero da nossa existência. Que tal uma poesia, um conto ou um romance? É esse o meu propósito, o saber por meio do sabor de que a literatura é capaz proporcionar. Como professor, escritor e palestrante tenho me dedicado a divulgar a cultura e a arte. Sou Mestre em Letras pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ e componho para a Revista Entre Poetas e Poesias — e cujo objetivo é disseminar a arte pelo Brasil. Escrevo para o Jornal Daki: a notícia que interessa, sob a proposta de resgatar a memória da cidade sob a forma de crônicas literárias recheadas de aspectos poéticos. Além disso, tenho me dedicado com afinco a palestrar nas escolas e eventos culturais sobre o meu livro Panapaná: contos sombrios e o livro Cambada: crônicas de papa-goiabas, cujos textos buscam recontar o passado recente de forma quase fabular, valendo-me da ótica do entretenimento ficcional. Mergulhe no universo da leitura, leia as muitas histórias curiosas e divertidas escritas especialmente para você. Para quem queira entrar em contato comigo: ergalharti@hotmail.com e site: https://escritorerick.weebly.com/ ou meu celular\whatsapp: 98571-9114.

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11 Comentários

  1. Olá, Erick!
    Essa história me fez lembrar do Seu Maneias, um pedreiro que meu pai contratou para emboçar parte da nossa casa. Ele gastava muito material, deixava as paredes grossas de tanta massa. Pior: foi indicado por um tio, que era profissional da área e realmente muito competente. O meu tio era o segundo irmão do meu pai, mas o primeiro a nos apresentar pessoas de procedência ou competência duvidosa.
    Seu Maneias fez meu pai gastar muito dinheiro e, pior: foi embora com um adiantamento de pagamento.
    O nome desse pedreiro também foi modificado pelo meu pai, que, como na narrativa bíblica, também rebatizava as pessoas de acordo com características de sua personalidade. Não vou revelar o nome verdadeiro do Seu Maneias, mas digo que era Neemias, o reconstrutor do muro de Israel. Veja se consegue descobrir.
    Grande abraço.

    1. Muito obrigado pelo comentário. Confesso que não tenho ideia do nome do “seu” pedreiro lambão.

  2. Ótima narrativa!
    Texto esse que me fez recordar as rodas de causos contados por meu pai José nas noites de céu estrelado, lá no Goiás.
    Parabéns!

  3. Olá, Erick!
    Essa história me fez lembrar do Seu Maneias, um pedreiro que meu pai contratou para emboçar parte da nossa casa. Ele gastava muito material, deixava as paredes grossas de tanta massa. Pior: foi indicado por um tio, que era profissional da área e realmente muito competente. O meu tio era o segundo irmão do meu pai, mas o primeiro a nos apresentar pessoas de procedência ou competência duvidosa.
    Seu Maneias fez meu pai gastar muito dinheiro e, pior: foi embora com um adiantamento de pagamento.
    O nome desse pedreiro também foi modificado pelo meu pai, que, como na narrativa bíblica, também rebatizava as pessoas de acordo com características de sua personalidade. Não vou revelar o nome verdadeiro do Seu Maneias, mas digo que não era Neemias, o reconstrutor do muro de Israel. Veja se consegue descobrir.
    Grande abraço.

  4. A gente não sabe se ri ou se chora com essas situações… Pedreiro que não é pedreiro é uma pedreira… Uma verdadeira pedra no caminho de quem tem obra em casa pra fazer!
    Parabéns, querido Erick! Seus textos são muito muito bem construídos! Tu és um arquiteto com as palavras!

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