O humanismo pelas beiradas do capitalismo
O sistema capitalista é extremamente cruel, pois visa, exclusivamente, ao lucro, e o que não está a par disso é margem. Empresários contratam funcionários eficazes, que gerem bons rendimentos ao seu negócio. Não há espaço para questionamentos: a criatividade é domada pelo instinto de produtividade.
Nessa conjuntura, as “maçãs podres” podem causar estragos ou prejuízos à movimentação do capital, e ao coletivo; contratam-se pessoas que sejam verdadeiras máquinas de fabricar dinheiro – saudáveis, competitivas, rentáveis e obedientes. Contexto este, em que há uma espécie de apagamento das memórias, inércia da criatividade e enrijecimento do saber, favorecendo a formação de seres pouco conscientes quanto ao seu papel colaborativo na sociedade contemporânea.
Para Debord, “numa sociedade em que a mercadoria concreta permanece rara ou minoritária, a dominação aparente do dinheiro se apresenta como um emissário munido de plenos poderes que fala em nome de uma potência desconhecida. Com a revolução industrial, a divisão do trabalho e a produção maciça para o mercado mundial, a mercadoria aparece efetivamente como uma potência que vem realmente ocupar a vida social”. Tudo, pois, torna-se espetáculo, o consumo reacende a existência; onde não há o capital físico, há o capital simbólico.
Consumir é verbo eternamente no presente. O que é útil e o que é inútil à manutenção da grande máquina social? As corporações, instituições e o discurso hegemônico precisam estar alinhados: os artistas, os homossexuais, os transexuais, os dependentes químicos e os portadores de doenças mentais são negados por esse sistema lucrativo e estão fadados ao fracasso.
Às margens do capital
Como cada ser é uma partícula desse microssistema de um sistema maior, o Universo, as desigualdades de tratamento em meio ao capitalismo afetam toda a máquina social, e os efeitos disso são a pobreza, miséria, discriminação, violência, abrangendo todos os segmentos sociais. O desemprego em que vive um indivíduo doente, por exemplo, converte-se em gastos maiores para a saúde pública, gerando mais impostos às mesmas empresas que querem uma máquina humana de produção perfeita. O mal-estar na humanidade se instaura, gerando falta de empatia, individualismo e concorrência desleal. Morre o humanismo.
Em sua obra Humanismo e Crítica Democrática, Said define o humanismo como o “emprego das faculdades linguísticas de um indivíduo para compreender, reinterpretar e lutar corpo a corpo com os produtos da linguagem na história, em outras línguas e outras histórias”. Para ele, “o humanismo não é um meio de consolidar e afirmar o que ‘nós’ sempre conhecemos e sentimos, mas antes um meio de questionar, agitar e reformular muito do que nos é apresentado como certezas transformadas em produtos do mercado, empacotadas, incontroversas e codificadas de modo acrítico”. Ou seja, ao passo que o humanismo é questionador e dinâmico, vivemos num momento de incertezas, de culto ao homogêneo e acrítico.
Às vezes, penso que é melhor estar à margem desse grande espetáculo e sentir na pele a inutilidade de ser desprovido do essencial poder produtivo marcado pelos valores capitalistas da sociedade atual. Um corpo plural que produz pelas beiradas desse sistema pode ser criativa(mente) fatal!
(Esse texto é de Manuela Barreto. Mestra em Literatura, Memória e Representações Identitárias, escritora, pesquisadora, revisora. Uma baiana que gosta de apimentar no outro o questionamento sobre sua existência na sociedade contemporânea.
Participe também dessa coluna! Envie o seu texto (de desabafo ou reflexão) para o e-mail lmsn_91@hotmail.com ou entre em contato pelo instagram @luiza.moura.ef. A sua voz precisa ser ouvida! Juntos temos mais força! Um grande abraço e sintam-se desde já acolhidos!
Luiza Moura.