Carina Lessa

O afã gastava satisfeito

 

 

(Imagem disponível em: https://burst.shopify.com/photos/cloud-wrapped-mountain?c=sky)

“He missed the pathway, he forgot the hours,
And when he looked upon his watch again,
He found how much old Time had been a winner—
He also found that he had lost his dinner.” – Byron

 

                Címbalos, flautas… louvai-nos com metais e sopros estrangeiros, as buzinas dos carros ficam abafadas e podemos sonhar direito. Chovia. A água repicava o futuro enquanto um morcego lhe acenava a luz. Graveto afofado. Um triste pinheiro secara no caminho entre o mercado e a casa. As estrelas prendiam um animal vistoso com sussurros das montanhas imprevisíveis. A louça na pia, preguiça das coisas sujas. Na ilha de La Palma, autorizam os moradores a limparem as cinzas das casas. Declaram o fim da erupção. Daqui, o meu esgotamento.

                A notícia sobre a ilha vem a cavalo, esperanças que acenam para o Natal. A fumaça fica mesmo por conta das dezenas de trabalhadores na UTI, aparentemente, o avanço da doença justifica o abalo econômico que já caminhava desde o século XIX. Movimentos bruscos e autocomplacência aparecem como boas moedas de troca com o mundo, registramos o infortúnio. A crise parece reflexo de estrangeiro diante do impasse político e… derradeiro?

                O pêndulo de sempre não me oferece a cegueira coletiva, sentimento trágico e tradicional, paletas e flautas. O sono do presente quase me vence pelo cansaço. A suposta tendência ao declínio político e ocidental alimenta as terras zombeteiras de esperança. Isto porque nem falamos da expansão territorial americana: batalhas e batalhas que nos doem as entranhas. Se o Brasil é português de nascença, faço votos quando me dói a Espanha, coisa de latinoamericano. Apreendo os vizinhos e me projeto em autocrítica, desconfiança da força, das piadas, do riso tolo.

                Olho daqui a imagem exterior, onde está a vossa? De costas para o mundo, o avanço da doença parece atender ao drama de uma sociedade lamentavelmente perdida nos torpes tangos démodés (o tango fica por conta da vontade de matar o tal orgulho e alumbramento). As cidades são livres, corrupção é tema farto no Brasil, não nos comove. Não temos medo dos óculos cafonas e bandeiristas nos estádios, defendemos o bem nas entranhas germinadas nos trópicos do mapa americano e abraçamos calorosamente os partidos de sentimentalismos hostis. A vocação para o drama é de praxe e vem na bandeja de sempre, oferecemos solidariedade também econômica: preto no cinza, cinza no azul, tudo é conquista e fatalidade. Os britânicos, dizem, já enxergam as correntes do início do século XX. Sento no sofá e espero o televisor antigo em quadrado amadeirado, minha avó dizia ser nobre esperar a telenovela. Aliás, na década de noventa, o México estava em moda por aqui e não era coisa do bom e velho Chaves.

                É isto! Choveu muito ontem e só posso rever os morcegos e aplaudi-los, melhor do que lavar a louça. Se eu pensar bem, as moscas nos pratos me servem de observação para as teias de aranhas que não param de trabalhar. Acho que é o eterno curso.

               

               

 

Mostrar mais

Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo