Cristiano Fretta

Cinco escritores com quem eu gostaria de conversar. Parte IV – Érico Veríssimo

Érico Veríssimo

Eu encontraria Érico Veríssimo em uma linda tarde de sol. Não poderia ser diferente, pois tardes de chuva simplesmente não combinam com um encontro com Érico Veríssimo. Sua casa, na qual hoje mora o seu filho, o genial escritor Luís Fernando Veríssimo, por sorte fica a apenas duas quadras de uma das escolas em que trabalho. Dessa forma, eu daria aulas a manhã inteira, almoçaria em algum bar da Avenida Protásio Alves e, depois do café tomado na padaria da esquina, me dirigiria até sua casa. A residência é branca e se destaca pela grande quantidade de plantas em seu jardim fronteiriço, o que confere à casa uma atmosfera receptiva.

Receptivo também seria Érico Veríssimo, que surgiria de dentro de casa usando óculos escuros e uma boina marrom. Já idoso, abriria com certa dificuldade o portão da frente e me cumprimentaria fortemente com as duas mãos com um “como vai?”. A seguir começaríamos a caminhar pelas arborizadas ruas do bairro Petrópolis e, em algum momento ou outro, o Érico suspenderia sua caminhada para olhar com calma uma ou outra flor que de dentro de um jardim qualquer surgiria.

Curioso, a certa altura me perguntaria se meus alunos gostavam de ler. Eu, tentando manter a naturalidade frente a uma pergunta tão importante vinda de uma pessoa assim tão respeitável, responderia que todo mundo, em uma medida ou outra, lê menos do que deveria. Ele, contente com a resposta, daria uma bela risada e diria que, no auge do seu trabalho na Livraria do Globo, também se ressentia pelo pouco tempo que tinha para simplesmente se entregar à leitura de um bom livro.

Eu então contaria a ele sobre a minha filha de um ano e oito meses e o quanto eu gostaria que ela também desenvolvesse o hábito da leitura. Érico então passaria boa parte do resto de nosso passeio falando sobre Clarissa e sobre o quanto nós, adultos, temos que aprender com a inocência das crianças, do quanto o mundo dito civilizado precisa simplesmente de um balanço.

– Não de um balanço de tabelas e números, Cristiano, mas sim de um balanço em uma árvore, brincar de balanço mesmo – me diria ele, rindo.

Eu também riria bastante. Após um bom tempo caminhando pela rua, eu sentiria os seus passos já cansados, e então retornaríamos para sua casa. Não houve a possibilidade de conversarmos sobre o Érico autor de “O tempo e o vento”, mas sobre isso não havia problema: falar sobre a inocência das crianças e sobre a leitura já havia valido o encontro todo.

Após se despedir de mim, ele se sumiria dentro de sua casa toda cheia plantas. Nunca mais seria possível passar pela frente daquele local sem que eu esperasse que dali de dentro surgisse um dos meus escritores favoritos.

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/porto-alegre-capital-gaúcha-rs-5378323/

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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