João Rodrigues

As venturas e desventuras de um sonhador – O sonho em apuros

Após ter explicado pra minha mãe o que seria necessário para eu estudar na rua (cidade), ficamos em silêncio por um longo tempo. Ela, sem saber o que dizer diante da lista de material escolar que falei; e eu, no vão que separa o sonho da realização, esperando a resposta dela.

Mãe, finalmente, quebrou o silêncio:

– Mas pra que este montão de coisa? Preciso disso tudo pra estudar?

Dei um passo em direção a ela e falei:

– É, mãe. Agora é diferente. Não pode mais ser só um livro e um caderno.

Silêncio.

Era esse silêncio que me matava. Minha mãe tinha essa mania. Quando não sabia o que dizer ficava minutos calada. Acho que tentando encontrar a resposta, que não era fácil mesmo. Hoje, me colocando no lugar dela, entendo como deve ter sido difícil aquela conversa. Mal tínhamos dinheiro pra comprar o extremamente necessário pra sobrevivermos, e agora aquela imensa despesa com material escolar. Aquele custo daria para fazer as compras do mês inteiro. E o meu medo era exatamente porque eu sabia disso. Comer era mais importante do que estudar. Na verdade, estudar não tinha importância. Trabalhar, sim. Era vital.

– Deixa teu pai chegar – disse. E calou-se.

Saí. Deixei lá minha mãe na cozinha resmungando com as panelas e um fogo à lenha que cismava em não querer pegar.

Peguei as ferramentas e saí para o roçado. Ali, eu já era pós-graduado. Sabia a época de brocar, acerar, tirar madeira, queimar, fazer a cerca, plantar, capinar, colher… O livro da vida eu sabia ler, mas era nas letras que eu desejava me aprofundar. Da roça, já havia aprendido o suficiente pra saber que não era a vida que eu queria ter para sempre. Via o sufoco que meu pai passava todos os dias. Sim, definitivamente eu sabia que precisava estudar a qualquer custo. O problema é que eu não entendia nada de custo. E, naquele momento, o custo era alto.

Deixei de pensar em escola e me pus a fazer o que precisava ser feito. Esse assunto podia esperar mais um pouco. O serviço, não.

Precisava esperar meu pai chegar.

E foi o que fiz.

 

Direito de imagem: https://pixabay.com/pt/photos/gr%C3%A3o-comida-ecol%C3%B3gico-fazenda-664740/

Mostrar mais

João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo