Ezequiel Alcantara

Carregando Beijos Mortos

Carregando Beijos Mortos

O poeta é aquele que passeia pelas mais diversas emoções, que são expressas de forma encantadora na construção de seus textos. E o que mais poderia permear o sopro da poesia em suas obras do que o sentimento do amor? Não há… Somente esse sentimento transforma quem o sente em uma pessoa totalmente diferente do que era antes, seja para o bem ou para o mal. Vivenciar o amor pode ser uma dádiva, o ápice das virtudes do homem. Porém, vivenciar a decadência dele, transforma-se também na própria ruína de quem o vive. E o que nos resta, então, na ausência do amar? No poema “Beijos Mortos”, o poeta Martins Fontes (1884-1937) nos responde que nos resta uma “horrível agonia…”, agonia esta que se dá no remorso, naquilo que corrói os pensamentos daquele que perdeu quem mais amou no termino de uma relação, que fica se questionando constantemente o que poderia ter sido feito, evitado, falado, sentido, para ter obtido um resultado diferente.

Neste soneto clássico, gênero de poema perpetuado desde o séc. XIV, o autor nos traz, nos primeiros versos, certo “humor ácido”, aconselhando-nos uma forma de amar: ‘amar uma mulher virtuosa, que ama e que não ilude, e que, mesmo depois de saber que foi enganada, perdoa, por amor e respeito aos seus momentos passados juntos’. Um tom de viés machista que, infelizmente, reproduz o diálogo de uma época vivida pelo poeta. Mas ele mesmo reconhece isso, e lamenta-se dos erros que cometeu, onde deveria mais ter amado. A poesia pode ter seu caráter imaginativo, que o que está escrito é apenas uma construção do poeta, mas, como dizia Fernando Pessoa, “o poeta é um fingidor que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Dito isto, o poema de Martins Fontes reflete uma agonia de quem tem erros cometidos e que são irreparáveis, nos mostrando a fragilidade do humano que chora de remorsos, inconsolado, estremecendo os nervos de desespero ao pensar em todos os males que causou à pessoa amada.

Decerto, há males que são irremediáveis em nossa vida. E seguimos. Porém, eles vivem marcados como sombras em nosso ser, como se carregássemos sobre os ombros uma trouxa pesada, em que a madeira que a segura faz-nos feridas. E mesmo que cicatrizem um pouco, o peso do remorso magoa e a dor nos relembra mais ainda da ferida que causamos. Se “Beijos Mortos” fosse uma pintura, certamente seria uma bela obra desenhada por Susano Correia. Mais precisamente a obra em óleo sobre tela chamada “pobre homem levando seu coração de trouxa” (2020), pois ali nós vemos um homem magro, de semblante abatido, angustiado, desprovido de vestimentas, com um buraco enorme em seu peito onde da pra ver o outro lado.

O peso dos sentimentos do poema transpõe-se plenamente nessa tela, em que o triste homem, que carrega seu coração feito uma trouxa de pano, na ponta de uma vara espinhosa, languidesce sem rumo. Mirrando dolentemente como a lua minguante esvaecida na tela. Não podemos deixar passar a oportunidade de contemplar, amar e sentir as coisas belas em nossa vida, senão, como nessas obras, nos restará apenas o remorso, e o poeta nos deixa o alerta estampado em seu texto para que ninguém jamais passe por aquilo que sentiu, porque a causa daquela horrível agonia “é ter amado, quanto amar se pode,/ sem ter amado quanto amar devia”. E essa é uma reflexão que vale a pena ser relida e revista constantemente nas obras desses dois artistas.

Ezequiel Alcântara Soares

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Crítica Ensaística – Trabalho da graduação de Filosofia proposto pelo professor Patrick Pessoa à Turma de Estética I da Universidade Federal Fluminense – UFF (2022.2)

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Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/rosas-avestruz-desaparecido-flor-4125558/

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Ezequiel Alcantara

Olá, sejam todos bem vindos ao meu recanto poético! Me chamo Ezequiel Alcântara Soares, nasci em 28 de Julho de 2000 na cidade de Reriutaba no Ceará, onde me criei e vivi na comunidade de Riacho das Flores até o dia em que tive que deixar meu "torrão natal" e viver em São Gonçalo - RJ. Bem, sou apenas um ser humano, que foi se construindo ao longo do tempo, assim como uma colcha de retalhos, formado por luzes e trevas. Desde criança brilho o olhar pela poesia e pela escrita, com muito amor e carinho, o que resultou em cordéis publicados, participação em antologias poéticas e diversos escritos. Faço graduação em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e sou membro da União Brasileira de Trovadores (UBT) seção São Gonçalo. Este recanto visa apresentar poesias e textos que inspirem, através de minha poética, o mais nobre que há nos sentimentos humanos e que transcrevam, sutilmente, as estações do coração. Aproveitem! Que possamos amar profundamente, sejamos poesia!

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