Valdeci Santana

O Julgamento do poeta

O julgamento do poeta.

Caros senhores do júri. Venho diante deste tribunal, confessar os tantos e impiedosos crimes que cometi. Confesso que abusei da criatividade de poeta, para propor um requinte de crueldade aos seus leitores, guiado pelo único desejo de propagar a mesma dor que consome minha alma.

Sendo assim; declaro-me culpado!

Sem qualquer remorso, utilizei minhas palavras para fecundar uma doença letal na alma dos apaixonados, que seduzidos pelo conhecimento que eu alegava possuir, sobre o amor, se lançaram avidamente contra este cálice que eu lhes propunha, sugando cada gota deste néctar doce, acreditando que estavam adquirindo a cura, para a quentura que abrasava suas almas, quando, na verdade, eu estava lhes propondo o veneno mais poderoso que existe, o amor.

Pobres tolos são os apaixonados!

Confesso que nada sei do amor, mas, conheço profundamente a alma dos apaixonados. Sei o que é desejar se afogar neste mar de sentimentos. Sei o que é revirar sobre um travesseiro entumecido de lágrimas, sentindo o corpo se consumir nas labaredas da paixão. Sei bem o que é se achar um tolo, vendo graça em tudo, tendo vontade de gritar, cantar, sorrir, tudo ao mesmo tempo. Conheço o nó que se instala na garganta de quem ama, e assassina as palavras. O amor é um precipício. Do qual a gente se joga, esperando ser amparado nos braços de quem ama, sem que nos seja permitido o direito de recuar. O amor é queda livre.

Eu menti! Os enganei covardemente, quando decretei saber o ângulo perfeito para colher a seiva dos lábios de quem ama. Justo eu, pobre inválido nos gestos da sedução. Menti, quando afirmei conhecer as palavras chaves para se cativar o coração alheio, quando, na verdade, faltam-me palavras ante o meu amor. E, acima de tudo, menti, quando decretei possuir o elixir que cura as dores do amor, pois, se o possuísse, o teria engolido até a ultima gota.

Miseráveis foram as vitimas deste poeta monstro, que se renderam perdidamente ao amor. Atiraram-se do precipício sem questionamentos.

Ah senhores juristas!

Confesso que eu quis lhes proporcionar a dor de amar alguém. Eu lhes falei do amor como um animal domável, como se eu soubesse manejá-lo, como seu eu não fosse um medíocre lacaio das ordens do amor.

Sem querer desacatar a este tribunal, afirmo que não temo qualquer que seja a sentença que os senhores possam proferir em meu desfavor, pois, estou fadado, condenado a definhar lentamente na fria masmorra do amor. Revirando numa câmara cinza e fria, que somente obtém cor e quentura, quando sou visitado por quem me torturado e que amo. Eu propaguei uma droga absolutamente degenerativa em quem se atreveu a ler minhas estrofes. E é bem certo que, talvez, os senhores estejam entre minhas vitimas.

Sou culpado pelo estado de dependência que estes miseráveis apaixonados se encontram. Portanto, mereço minha punição.

fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/autoridade-perito-jurisdicao-tribunal-6077326/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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