Ezequiel Alcantara

Diálogo “EZEQUIEL”, ou sobre a defesa dos poetas

EZEQUIEL

(ou sobre a defesa dos poetas)

 

SÓCRATES: Anteposto tua ida às festividades, devemos retomar aquela conversa sobre os poetas e a cidade ideal. Não achas, caro Ezequiel?

EZEQUIEL: Certamente, Sócrates!

SÓCRATES: Vejamos. Concordamos, até então, que os poetas transitam por variadas fontes de saber, e que se propõem, assim, a ensinarem conhecimentos através de suas artes. Não é mesmo?

EZEQUIEL: Sim.

SÓCRATES: Mas como pode, em favor desses variados saberes, os poetas assumirem um papel fundamental na Pólis, sendo que o conhecimento expresso nas artes que executam são apenas tentativas de representar um mundo aparente dicotômico com o real? Ora, vemos que só um caçador pode ensinar outros como bem caçar, preparar as armadilhas, fazer a isca mais certa, escolher a melhor ação, comedida ou voraz, e a arma adequada conforme sua presa, para trazer, assim, comida para seu lar; esse caçador deixará que sua mulher trate da caça, pois sabe que só ela tem o melhor jeito de tirar o couro, arrancar os fluidos e cortar em boas partes, ela também pode ensinar um saber mostrando quais ingredientes, acompanhamentos ou temperos, o tempo ao fogo, a quantidade ideal de gostos que deixarão a carne saborosa e rica para se ter um excelente jantar. Agora, caso alguém que nunca realizou ação do caçador, ou o cozer e preparo da mulher, propõe-se a ensinar a outros esses mesmos saberes somente imitando-os em seus atos, com performances ou em representações, será ele, então, o melhor representante para transmitir tal saber? Eis aí a atitude dos poetas!

EZEQUIEL: Não é bem assim que funciona o fazer do poeta, caro Sócrates.

SÓCRATES: Como não? Faz-se necessário o saber do caçar ao caçador, o do cozer e preparar à cozinheira. E que saber ou importância tem a arte dos poetas? É evidente que tentam repassar saberes que não são seus, falam de sentimentos e pensamentos desprovidos de razão e repintam realidades irreais. Faltam-lhes, sobretudo, o luzir das ideias originais.

EZEQUIEL: Discordo. Entendo que o poeta se faz perfeitamente necessário pois, ante a qualquer saber prático, ele vislumbra e deslumbra as realidades mais perfeitas escondidas nas imperfeições das mais vastas aparências. Não estamos preocupados em transmitir saberes que não nossos, mas sim em despertar nos outros os saberes que neles estão resguardados. Ora, caro Sócrates, havíamos conversado anteriormente, concordando que o filósofo ajuda a “parir” o saber do outro, como pode o poeta, que também é um “parteiro” do sentir alheio, deixar de ser necessário, sendo inferiorizado só por andar paralelamente a um ideal de filosofar?

SÓCRATES: Bem, vejo que talvez haja algo que tenha nisso o seu valor. Mas o comparar do filósofo ao poeta não seria errôneo, caro Ezequiel? O filósofo não está no âmbito do efêmero sentir, que está ligado às paixões dos homens e aos instintos animalescos tal qual o poeta, que perde a essência do que há realmente e não está dado para aquilo que ele acha que deve ser, sublimando a paixão no irracional. A maneira que a arte do poeta representa os sentires não condiz com os sentires que de fato são sentidos. Muitos buscam causar alegria na vida de outrem, quando no fundo sentem tristeza, outros querem expressar a fúria ou a coragem tenaz de um guerreiro, mas na verdade são desprovidos dela e vivem nos braços do abatimento. Há poetas que expressam saber muito de tudo um pouco, falam de virtudes, de justiça, de técnicas apuradas, mas certamente não as têm, nem sabem do que realmente fazem!

EZEQUIEL: Concordo em pequenas partes, Sócrates. Na verdade, os que relatastes são aqueles os quais chamo de maus e/ou falsos poetas e, infelizmente, o mundo está cheio deles! Fingem saber de poesia, mas não sabem. O verdadeiro poeta entende e contempla o mundo de maneira única: nós enxergamos o belo nas mais simples e inusitadas coisas, percebemos que o cosmos revela-se de muitas maneiras e procuramos sentir sua essência. Transcrevemos o belo do universo aos quem forem capazes experimentá-lo. Nosso sentir não se apoia na irracionalidade, pelo contrário, a poiésis do poeta perpassa por um processo de pura razão. Ora, como eu poderia expressar algo tão sublime sem antes raciocinar a linguagem, a rima, a melodia, a medida, o som, o refletir, o emitir, o decantar, o pensar, o duvidar e o sentir, quando busco criar uma consonância com aquilo mais puro que há entre as formas primeiras da beleza e o âmago contemplativo de um indivíduo? O real poeta, dentre todos os outros que compõem função operativa numa polis, é o mais necessário e virtuoso! Pois sei que a Musa, seja ela divina ou transfigurada em forma humana, perfuma com leveza na vida deste poeta, através de gotículas do saber, dos raios do sol, do sorrir da lua, dos afáveis carinhos do vento, dos aprazíveis sentires do enamoramento do ser e da doçura das almas que entrelaçam, aquilo que há de mais necessário no mundo:  o Amor.

SÓCRATES: Eis aí o portento de um real poeta! Algo elevado a nível de virtude. Certamente deve ser necessário à pólis. Porém, curiosamente, tenho minhas dúvidas.

EZEQUIEL: Bem, caro Sócrates, concordemos então, meio a contragosto se preferir, que os poetas, somente os verdadeiros poetas, merecem, ao menos, um lugar de dignidade na sua pólis? Pois, assim, o pensar através do sentir torne-se mais uma forma ideal de conhecer aquilo que dá origem as coisas belas mal ou bem representadas neste mundo.

SÓCRATES: Absolutamente, caro Ezequiel, façamos assim.

EZEQUIEL: Perdoe-me, Sócrates, mas preciso ir logo, caso contrário, chegarei atrasado ao festival. Que possamos conversar mais em outro momento oportuno. Ah! Só um conselho para encerrarmos esse assunto: vivenciar constantemente a poesia é uma dádiva filosófica, pois aqueles que não conseguem entender a beleza que há na inspiração poética, no degustar desse maravilhoso manancial do sentir, estará condenado a experimentar o inescapável gosto lôbrego e enjoativo do fel e da cicuta!

SÓCRATES: Pensamento curioso…

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Autor: Ezequiel Alcântara Soares

Trabalho de Filosofia proposto pelo professor Patrick Pessoa à Turma de Estética I – UFF (2022.2)

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Referências:

PLATÃO, A República. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém:
EDUFPA, 2000.

________, Íon. Introdução, tradução e notas: Victor Jabquille. Lisboa: Editorial Inquérito, 1988.

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Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/bustos-filsofia-arist%c3%b3teles-756620/

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Ezequiel Alcantara

Olá, sejam todos bem vindos ao meu recanto poético! Me chamo Ezequiel Alcântara Soares, nasci em 28 de Julho de 2000 na cidade de Reriutaba no Ceará, onde me criei e vivi na comunidade de Riacho das Flores até o dia em que tive que deixar meu "torrão natal" e viver em São Gonçalo - RJ. Bem, sou apenas um ser humano, que foi se construindo ao longo do tempo, assim como uma colcha de retalhos, formado por luzes e trevas. Desde criança brilho o olhar pela poesia e pela escrita, com muito amor e carinho, o que resultou em cordéis publicados, participação em antologias poéticas e diversos escritos. Faço graduação em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e sou membro da União Brasileira de Trovadores (UBT) seção São Gonçalo. Este recanto visa apresentar poesias e textos que inspirem, através de minha poética, o mais nobre que há nos sentimentos humanos e que transcrevam, sutilmente, as estações do coração. Aproveitem! Que possamos amar profundamente, sejamos poesia!

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Um Comentário

  1. Um magnífico trabalho , aliás, uma obra prima. A visão do poeta diante do mundo. Um diálogo entre dois grandes pensadores , porque o poeta antes de mais nada , é um pensador. Parabéns!

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