Valdeci Santana

Os sábios cegos do castelo de areia

Os sábios cegos do castelo de areia

Os sábios cegos do castelo de areia fechavam as cortinas para não entrar a luz.

Discutiam política, metafisica, filosofias e bestialidades diárias, numa mesa farta de misérias e incertezas, roendo as sobras da nobreza. Debatendo sobre a medíocre existência dos ratos, afundados nos esgotos.

Os sábios cegos do castelo de areia se sentiam protegidos, iludidos na segurança de seus muros esguios, aquecendo as mãos calejadas diante da fornalha, onde estala os ossos do ofício.

Sábios são os cegos do castelo de areia, que já leram enciclopédias, teorias darwinianas, papiros egípcios, diários de alquimista, a constituição e até a bíblia sagrada. Sabe recitar trechos do bagavadeguitá de cor. Dizem isso para a diarista e a fazem acreditar que estão em situações distintas no universo.

Cegos são os sábios do castelo de areia, que não abrem as portas, pois não enxergam lá fora, que desenham constelações, mas, não olham para as estrelas. Temem o tropeço e se enclausuram em seu próprio endereço. Sem saber que é redondo o planeta que tentam salvar, nas reuniões climáticas.

Os sábios cegos do castelo de areia possuem espelhos espalhados nas paredes, mas, somente os relógios lhes interessam. Estão sempre apressados, declinando suas existências escrevendo novas leis, depois debatem maneiras de burlá-las. Escrevem louváveis discursos pacíficos enquanto assinam declarações de guerras.

Os sábios cegos do castelo de areia conhecem tudo do amor. Sabem resenhar sobre a lágrima no olho de Capitu, sobre o amor de Julieta, sobre a paixão de Páris, mas, nunca se sentiram embaraçados, ou tiveram as mãos úmidas, tão frias quanto o vazio no estômago. Nunca foram capazes de renunciarem a si próprios em função deste sentimento.

São religiosos, os sábios cegos do castelo de areia, com suas crenças e seus rituais, acreditando no pecado, na sentença divina e julgando tudo o que há.

Nem cegos demais para não verem a cotação do dólar, nem sábios demais para que respondam as tantas perguntas que eles mesmos produzem.

Seu castelo é um reduto do luxo e da proteção, capaz de elevar sua classe social, de lhe colocar acima do bem e do mal. Porém, de areia.

Triste é a sina dos sábios cegos do castelo de areia. Que não são cegos coisa nenhuma, só não querem enxergar. Doutorados em utopias e, absolutamente leigos quanto ao mundo real. Soterrados num castelo solúvel.

Fonte da imagem: https://images.pexels.com/photos/4623036/pexels-photo-4623036.jpeg?cs=srgb&dl=pexels-julia-rosendorfer-4623036.jpg&fm=jpg

 

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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