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Suplemento Araçá – Vol.02 – nº04 – Out./2022 – Crônicas & Opiniões: “O BRASIL ENTRE A DIFICULDADE E A NECESSIDADE DE SER MODERNO” – Lucas Salgueiro Lopes

ISSN: 2764.3751

O BRASIL ENTRE A DIFICULDADE E A NECESSIDADE DE SER MODERNO
Lucas Salgueiro Lopes[1]

Idade Moderna é o período histórico (ocidental) que costuma ser designado a partir do ano de 1453 e tem seu fim em 1789; geralmente se caracteriza por “encerrar” a Idade Média e trazer novos valores para a sociedade da época, tais como o racionalismo, o humanismo e o desenvolvimento científico e cultural. Modernidade, por sua vez, pelo menos segundo o sociólogo Anthony Giddens seria referente a um estilo/costume de vida ou organização social que ascendeu na Europa a partir do século XVII; a urbanização, a industrialização e as mudanças (nem sempre positivas) na vida social são marcas sociológicas desse fenômeno. A chamada arte moderna tem origem no final do século XIX e sua decadência a partir do fim da Segunda Guerra Mundial; se destaca por uma quebra dos padrões artísticos vigentes, recebendo forte influência das mudanças sociais, tecnológicas e culturais de sua época.

O Brasil, que ainda não era Brasil, só foi “descoberto” (ou não) pelos Europeus em 1500 – e com certeza não era considerado moderno por esses. Seu processo de modernização – tardia, dependente e conservadora – costuma ser visto de maneira mais concreta apenas a partir da década de 1930, especialmente pelo início da “Era Vargas”. A consolidação de uma “arte moderna brasileira”, como já é quase de domínio do senso comum, tem como seu marco a “Semana de Arte Moderna”, que completa 100 anos neste 2022. Não é difícil de perceber: nosso país sempre demonstrou certa dificuldade para ser “moderno” – independente da esfera em que pensarmos esse ambíguo termo. Também não é nenhuma grande novidade que ainda nos tempos atuais, mesmo num país em que se comemora o centenário da “Semana de 22”, as modernidades parecem longe dos debates públicos vigentes. De forma sincera, nem mesmo características como o humanismo e o racionalismo, presentes naquele primeiro sentido de “moderno” que vimos no início do texto, parecem ser tão populares em nossas terras ainda hoje.

Mas podemos esquecer de tais peculiaridades por um momento e focar apenas no último aspecto: a arte. Essa, no que lhe diz respeito, costuma ser uma forte ferramenta de ação nas vidas humanas: transforma, entretém, critica, diverte, emociona… são inúmeras consequências. A arte moderna brasileira, em específico, objetiva reinventar os padrões estéticos da produção artística em nosso país, pensando essa a partir de critérios nacionais. Oswald de Andrade, um dos expoentes desse movimento, em entrevista ao “Jornal do Comércio” em Recife, 1925, destacava que era modernista, sobretudo, porque era brasileiro, sendo que, por isso, queria “a formação de uma arte nacional, que se há de extrair, sem dúvida, da obra dos antepassados”. Assim, para ele, a chave para modernizar a arte brasileira se encontrava nas tradições populares. Tais ideias desse escritor foram melhor amplificadas em seu “Manifesto Pau-Brasil” de 1924.

Mergulhando nesse espírito, a Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922 no Theatro Municipal em São Paulo, se tornou um marco de inovação e criatividade. Unindo inúmeros artistas da pintura, escultura, poesia, literatura e música, o evento reflete (até os dias atuais) um símbolo da renovação artística em nosso país, um “grito” ousado que trouxe uma ruptura nos rumos da arte brasileira. Assim, mesmo que alguns possam questionar que o evento seja superestimado, ou que ela seja majoritariamente representante do circuito paulistano, um mérito é preciso ser reconhecido: o Movimento da Semana de Arte segue sendo assunto relevante para nossa cultura mesmo 100 anos depois.

Todavia, como todo movimento que visa romper com os padrões dominantes de uma época, a arte moderna brasileira sofreu diversas críticas naquele momento. Alguns movimentos conservadores consideravam os artistas da Semana de 22 como “subvertores da arte”. Nomes como Anita Malfatti, Mario e Oswald de Andrade e Heitor Villa-Lobos foram alguns dos que se apresentaram nos palcos do Municipal e foram recebidos por insultos, vaias e mesmo gargalhadas do público mais avesso às rupturas. Fica a lição de que mesmo os grandes gênios passam por dias de luta. Ou melhor, fica a lição que toda ação contra a maré e as multidões passa por fortes reações contrárias.

Hoje, 2022, poderíamos nos arriscar a dizer que as vozes conservadoras de outrora foram derrotadas e que o brilho dos artistas de 100 anos atrás acabou sendo reconhecido. Mas até que ponto isso seria totalmente verdadeiro? Se as obras desses expoentes são atualmente valorizadas, o mesmo não se pode dizer sobre propostas contemporâneas de uma arte renovada, que rompam com padrões e ideias preestabelecidas. Basta ver os inúmeros “hates” sobre tudo que é “moderno” nos dias atuais. Se repete em looping há alguns anos por tantas e tantos: “não se faz mais arte como antigamente”. Oswald de Andrade poderia responder com trecho de seu manifesto de 1924: “Uma nova perspectiva. Uma nova escala. Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. / Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”. Temos isso como necessidade! Marina Sena, que nem pensava em nascer em 1922, mas que se destaca com suas “modernices” e ousadias musicais em 2022 (apesar de resistências e escárnios dos mais tradicionalistas), completaria, como cantado em seu sucesso “Por Supuesto” com um: “Solta esse seu muro / E põe os pés nessa viagem”.

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Indicações & Referências:

André Bernardo (BBC News – Brasil) – “Por que Semana de Arte Moderna ainda é um marco da cultura 100 anos depois” (reportagem).

Eduardo Jardim de Moraes – “Modernismo Revisitado” (artigo).

Marina Sena – “Por Supuesto” (música).

Oswald de Andrade – “Manifesto Pau-Brasil” (manifesto).

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[1] Mestrando em Educação da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), e Pós-graduado em Educação Básica – Gestão Escolar pela mesma instituição.

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